Acreditar em si mesmo

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quarta-feira, 21 de junho de 2017

Depressão e frustração - 1ª parte




Depressão e Frustração



A razão desse artigo é refletir sobre a possibilidade da psiquiatria estar tratando sofrimentos emocionais decorrentes de frustrações da vida social moderna com o mesmo método e justificativa com que trata do Transtorno Depressivo.

Não se trata de validar ou não a utilização de antidepressivos, inegavelmente úteis no alívio e na melhora da qualidade de vida emocional, mas sim da conscientização do problema e da conceituação dos quadros de depressão e, digamos, de frustração.

Talvez a psiquiatria esteja tratando consequências individuais de uma patologia social subjacente.

A qualidade da vida emocional depende da satisfação com que se vive.

Se preferir, a qualidade de vida depende da felicidade, e esta, depende de nosso destino coincidir com nossa vontade, ou seja, estamos felizes se esta acontecendo agora aquilo que eu queria que estivesse mesmo acontecendo.

Mas esse evento não é tão simples como parece.

A coincidência vontade destino é mais abrangente do que a simples sucessão dos acontecimentos.

Para ser completa a ideia de felicidade, os sentimentos devem ser, nesse momento, justamente aqueles que eu mais queria estar sentindo (agora).

Na prática, isso quer dizer que não basta estar em uma praia paradisíaca curtindo as férias, mas também estar satisfeito e sentindo que minha felicidade está plenamente presente.

Também o prognóstico de vida faz parte da sensação de felicidade, ou seja, a sensação de que as coisas continuarão sendo boas.

Juntando essa ideia com a natural aptidão humana para o desejo, para a expectativa, para a pretensão, e sabendo que nos frustramos na proporção em que pretendemos, fica mais clara a ideia de John Stuart Mill ao dizer que:

aprendeu a procurar a felicidade limitando os desejos, ao invés de satisfazê-los”.

Tentaremos refletir sobre a diferença entre depressão e frustração, ou melhor, diferenciar a tristeza consequente às frustrações cotidianas e fisiológicas do homem moderno, os aborrecimentos do dia a dia, os sentimentos de perda, luto, contrariedade, da depressão propriamente dita, que é uma condição patológica, limitante, e que implica na necessidade de tratamento específico adequado.

Falar em frustração não significa falar de algo doentio, mórbido.

A frustração, é uma ocorrência universal e comum a todas pessoas conscientes das condições de sua existência, significa algo necessário ao amadurecimento e, consequentemente, ao desenvolvimento do sujeito, de sua relação com o mundo objectual (sua realidade), com os outros e consigo próprio.

O ser humano, tal como os animais superiores, tende a fugir da dor e se aproximar do prazer.

Portanto, há sempre uma pretensiosa tentativa de suprimir o sofrimento das frustrações ou das perdas.

Entre as várias maneiras que o ser humano usa para essa fuga da dor, incluindo os mecanismos de defesa, as negações, compensações, etc, tudo isso como parte um leque de recursos interiores, recorre-se também à ajuda externa, algo de fora da pessoa.

Antigamente nossos ancestrais aliviavam o sofrimento buscando ajuda externa no feiticeiro, no pajé, no sacerdote ou coisas assim.

O ser humano atual busca um “algo mágico”, lenitivo para seus sofrimentos, na expectativa que tem da medicina, da ciência e da tecnologia.

São programas, técnicas, pílulas, terapeutas, meditações, alguma coisa milenar, práticas exóticas e alternativas, enfim, a sociedade dispõe de mil recursos aliviatórios.

Porém, não são poucas as hipóteses de ser saudável e até desejável, vivenciar os sentimentos proporcionados pelas adversidades da vida, pelas dificuldades e frustrações das relações humanas.

Parece que quando existe excesso de investimento psicoterápico, excesso de intervenções farmacológicas, superproteção familiar, enfim, qualquer esforço sociocultural no sentido de dissimular e minimizar os sentimentos próprios dessas frustrações naturais da vida, a pessoa poderá não desenvolver a necessária capacidade de superar dificuldades existenciais.

Vivenciar perdas, experimentar a melancolia e a tristeza diante das frustrações são processos importantes para o amadurecimento psíquico e aprimoramento das relações sociais.

A Depressão não pode ser compreendida como sinônimo do sentimento de tristeza e melancolia que qualquer pessoa experimenta diante das dificuldades e frustrações, mas sim, como um quadro patológico próprio e específico, relativamente emancipado dos eventos existenciais.

Depressão e Tristeza

Há, sem dúvida, abuso e banalização do termo “depressão”.

Mas nem toda sintomatologia encontrada na Depressão, assim como tristeza, desinteresse, apatia, perda de prazer com as coisas pode ser considerada doença depressiva ou algum transtorno do afetivo.

Muitas vezes trata-se de um reflexo emocional de circunstâncias vivenciais frustrantes.

A busca do gozo e do prazer, o hedonismo dominante da sociedade moderna, quando não está continuamente presente na vida da pessoa, quando não mobiliza para o lazer, quando não se manifesta com extroversão, inquietação ou euforia, acaba causando um estranhamento capaz de fazer pensar em alguma coisa anormal, mórbida, patológica.

Curiosamente encontramos com frequência jovens que, por razões de personalidade, escapam ao modelo sociocultural ocidental de expansividade e extroversão e são incomodamente considerados “problemáticos”.

Quase sempre são jovens naturalmente introspectivos, reflexivos ou refratários à frugalidade moderna que, indevidamente, acabam sendo aconselhados a procurar “ajuda especializada”, algum tratamento para que se iguale aos seus pares efusivos.

O mesmo engano se comete em relação ao cansaço natural, proporcionado pelas dificuldades da lida com a vida moderna normal.

A exposição da pessoa ao desencanto da vida em sociedade, principalmente nesta nossa sociedade insegura e cheia de inversões de valores, a tristeza estimulada por tantas notícias absurdamente bizarras, enfim, essa grande variedade de frustrações impostas às pessoas por viver em um sistema como o nosso, costuma ser equivocadamente interpretado como Depressão, uma patologia dentro dos transtornos afetivos.

Na realidade pode se tratar de um estado de frustração e desencanto com sintomatologia bastante semelhante à depressão.

Pela semelhança dos sintomas tais como apatia, desânimo, desinteresse, sensação de cansaço, pode ter também ansiedade, prostração, abatimento intelectual, moral, físico, letargia, estresse, melancolia, a depressão acaba sendo uma espécie de irmã gêmea da frustração.

Na frustração, pela falta de um objeto (ou situação) pleiteado ou por um obstáculo externo ou interno não superado, a pessoa se priva da satisfação de um desejo, de um anseio ou de uma necessidade.

Esse distanciamento do prazer proporcionado pela frustração se assemelha, de fato, à Depressão.

Mas a frustração é predominantemente existencial e a Depressão é predominantemente constitucional ou biológica.

Sendo a frustração predominantemente existencial, supõe-se ser possível adaptar-se de alguma forma a ela, comportamentalmente ou cognitivamente.

Assim sendo, frustrações são importantes para que as crianças aprendam a lidar melhor com privações de desejos, de prazeres, de caprichos …

É correto acreditar que a pessoa frustrada está muito mais sujeita a deprimir-se do que a pessoa sem frustração, pois, tal como uma Reação Vivencial, os sintomas depressivos, incluindo a tristeza, seriam as reações emocionais diante da frustração.

Da mesma forma, o inverso é verdadeiro, uma pessoa deprimida terá frustrações com mais facilidade, pois a sensibilidade afetiva dos deprimidos torna mais sofríveis e tristes as perdas vivenciais.

As pessoas com perfil afetivo mais depressivo são aquelas que, geralmente, têm baixa tolerância à frustração, são rígidas e inflexíveis em seus valores, estabelecem metas difíceis para si mesmas.

São intransigentes com elas mesmas e em seus julgamentos, experimentam culpa e se impõem sofrimentos.

Mas os fenômenos não são os mesmos; tristeza, aborrecimento, frustração, estado depressivo ou reação depressiva são circunstâncias afetivas reativas diferentes do Transtorno Depressivo.

E esse será o xis da questão.

Será que a população de deprimidos biológicos está aumentando assustadoramente por razões desconhecidas ou, será que as frustrações proporcionadas pela vida cotidiana têm resultado em maior número de pessoas com estado depressivo?

Seria, talvez, bastante prudente começar a diferenciar os quadros com sintomas depressivos semelhantes mas de origem diferente.

Hoje, praticamente todo estado depressivo se inclui dentro do diagnóstico de Transtorno Depressivo.

E a ascensão estatística desse diagnóstico é assustador, inclusive em crianças e adolescentes.

Depressão e Frustração na Infância

O interesse científico pela depressão em crianças e adolescentes aumentou depois da década de 70, quando até então se acreditava que fosse rara ou inexistente.

Atualmente a depressão maior em crianças e em adolescentes é considerada comum, debilitante e recorrente, envolvendo um alto grau de morbidade e mortalidade, representando um sério problema de saúde pública (Bahls, 2002).

Em crianças pré-escolares, até a idade de seis a sete anos, a depressão é representada por sintomas físicos, tais como dores (principalmente de cabeça e abdominais), fadiga e tontura em 70% dos casos Goodyer (1996).

Em segundo lugar, depois das queixas físicas, a depressão infantil se manifesta por sintomas relacionados à ansiedade, especialmente ansiedade de separação, fobias, hiperatividade, irritabilidade, diminuição do apetite com falha em alcançar o peso adequado e alterações do sono.

Entre esses sintomas da depressão infantil destaca-se a perda do prazer de brincar ou ir para a pré-escola, escola quando for o caso ou outros cursos de habilidades para cada idade (natação, balet, capoeira, futebol, ginástica olímpica, línguas estrangeiras, informática, piano, etc, etc, etc).

Uma questão intrigante seria saber se os próprios compromissos impostos às crianças não seriam estressores suficientemente fortes para gerar as tensões necessárias à sintomatologia depressiva.

Não bastasse o próprio empenho existencial para dar conta desse rol de compromissos, ainda existe a inegável e dissimulada expectativa opressora dos pais por resultados nunca menos que brilhantes.

É claro que, cientificamente, devemos respeito às observações de alguns autores, como de Bhatara (1992) por exemplo, segundo o qual, tanto em crianças pré-escolares como nas escolares a depressão pode tornar-se clara através da observação dos temas com conteúdos predominantes de fracasso, frustração, perdas, culpa e excesso de autocríticas.

Mas, insistimos em questionar, não poderia ser o contrário?

A sintomatologia depressiva não poderia surgir como consequência dessas vivências frustrantes.

Também em relação aos adolescentes.

Adolescentes deprimidos, como se sabe há tempos, não estão sempre tristes.

É mais comum que seus sintomas depressivos façam com que estejam principalmente irritáveis, instáveis, com crises de explosão e raiva.

Mais de 80% dos jovens deprimidos apresentam, além do humor irritado, perda de energia, apatia, desinteresse, sentimentos de desesperança e culpa (Kazdin & Marciano, 1998).

Esse quadro do adolescente pode igualmente ser tido como reflexo de altíssimo grau de aborrecimento e frustração, seja pelo descontentamento com aspectos corporais, com a identidade, com a popularidade, com o relacionamento amoroso, seja pela simples falta de perspectivas existenciais ou pela não aquisição de bens de consumo estimulada pela propaganda.

Em nosso meio, o jovem universitário começa a se frustrar quando percebe a grande incerteza em um futuro promissor concordante com sua vocação ou com o curso a que se dedica, entre muitos outros aborrecimentos.

É a síndrome de final do curso.

É claro que nenhum psiquiatra de bom senso negaria a prescrição de antidepressivos para crianças e adolescentes com franca sintomatologia depressiva, porém, seria muito comodismo social acreditarmos que o problema estará assim resolvido.

A qualidade existencial e social parece não ser questionada adequadamente.

Depressão e Frustração: Estabelecer Diferenças

Mas independentemente de se tratar da infância ou adolescência, é importante destacar que a dinâmica depressiva pode se instalar em qualquer época da vida, dependendo da intensidade dos fatores desencadeantes, da sensibilidade afetiva da pessoa bem como de seu potencial constitucional (genético).

Todo esse raciocínio nos faz crer, ou melhor, nos faz deduzir que quando a pessoa não consegue suportar as pressões internas, como conflitos, por exemplo, ou externas, como as exigências vivenciais a depressão encontra seu campo fértil.

Entretanto, o que tem nos preocupado é saber se essas exigências vivenciais não têm superado o limiar de adaptação de pessoas afetivamente normais e, nelas, apesar da normalidade psíquica, desencadeado estados depressivos.

Não chamaria isso de Doença Depressiva.

Tem sido bastante frequente na clínica diária, pessoas emocionalmente normais, com antecedentes emocionais absolutamente sadios e que, ao se depararem com as tensões do cotidiano (competitividade, violência, insegurança, doenças graves, etc) acabam invadidas por pensamentos de culpa, abandono, medo, impotência, angústia ou até mesmo de natureza mais grave, como por exemplo, perseguição, delírios e alucinações.

Trata-se no máximo de um Estado Depressivo e não de um Transtorno Depressivo, trata-se de uma reação emocional depressiva e de acordo com a frustração, algo possível e bastante provável acontecer a qualquer pessoa, mesmo que não tenha antecedentes psiquiátricos.

Os sintomas são, realmente, muito semelhantes entre a frustração que acomete a sociedade cada vez mais frequentemente e os sintomas da Doença Depressiva, entre os quais, o rebaixamento da auto estima, sensação de culpa pelo fracasso, pessimismo, exagero na seriedade dos problemas, redução da motivação.

É muito difícil, hoje em dia, uma pessoa normal atravessar sua existência sem ter tido algum período da vida sintomas como esses.

E aí, como fica essa questão: todas as pessoas que se sentem assim estão com Transtorno Depressivo?

Devem receber tratamento especializado?

A importância da questão conceitual (frustração ou Doença Depressiva) faz lembrar o conto de Machado de Assis, O Alienista, quando o psiquiatra, personagem central da história, se depara com um problema crucial: a maioria dos habitantes de sua cidade preenchia critérios de diagnóstico para alguma doença mental.

Se a maioria parecia ter alguma doença, então, ter alguma doença era normal e anormal seria quem se destacava da maioria, ou seja, aqueles que não tinham nenhum sintoma.

Entre esses, ele próprio se encaixava.




por: Ballone GJ – Depressão e Frustração


Fonte: - iwww.psiqweb.med.br













2 comentários:

  1. A depressão ao contrário do que as pessoas pensam ser uma frescura, é na realidade uma doença, a qual ´pode se levar a morte; por isso precisamos ter um pouco de conhecimento básico sobre a doença para que possamos reconhecer quando ela esta se manifestando e assim saber como lidar com ela; porque todos nós estamos sujeitos a tê-la.

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  2. A depressão é uma coisa séria, uma doença grave, na qual pode levar à morte. Muitas pessoas acham que isso é apenas frescura, não é. É um termo muito perigoso, por isso terem que buscar a informação antes de julgar-lo, e aprender a respeitar e saber reconhecer quando está se manifestando e como saber lidar-lo. Jamais despreze uma pessoa deprimida. A depressão é o último estágio da dor humana. É a fase exata onde a alma dói de verdade.

    https://holanda-physicaleducation.blogspot.com.br/

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