Depressão
e Frustração
A
razão desse artigo é refletir sobre a possibilidade da psiquiatria
estar tratando sofrimentos emocionais decorrentes de frustrações da
vida social moderna com o mesmo método e justificativa com que trata
do Transtorno Depressivo.
Não
se trata de validar ou não a utilização de antidepressivos,
inegavelmente úteis no alívio e na melhora da qualidade de vida
emocional, mas sim da conscientização do problema e da conceituação
dos quadros de depressão e, digamos, de frustração.
Talvez
a psiquiatria esteja tratando consequências individuais de uma
patologia social subjacente.
A
qualidade da vida emocional depende da satisfação com que se vive.
Se
preferir, a qualidade de vida depende da felicidade, e esta, depende
de nosso destino coincidir com nossa vontade, ou seja, estamos
felizes se esta acontecendo agora aquilo que eu queria que estivesse
mesmo acontecendo.
Mas
esse evento não é tão simples como parece.
A
coincidência vontade destino é mais abrangente do que a simples
sucessão dos acontecimentos.
Para
ser completa a ideia de felicidade, os sentimentos devem ser, nesse
momento, justamente aqueles que eu mais queria estar sentindo
(agora).
Na
prática, isso quer dizer que não basta estar em uma praia
paradisíaca curtindo as férias, mas também estar satisfeito e
sentindo que minha felicidade está plenamente presente.
Também
o prognóstico de vida faz parte da sensação de felicidade, ou
seja, a sensação de que as coisas continuarão sendo boas.
Juntando
essa ideia com a natural aptidão humana para o desejo, para a
expectativa, para a pretensão, e sabendo que nos frustramos na
proporção em que pretendemos, fica mais clara a ideia de John
Stuart Mill ao dizer que:
“aprendeu
a procurar a felicidade limitando os desejos, ao invés de
satisfazê-los”.
Tentaremos
refletir sobre a diferença entre depressão e frustração, ou
melhor, diferenciar a tristeza consequente às frustrações
cotidianas e fisiológicas do homem moderno, os aborrecimentos do
dia a dia, os sentimentos de perda, luto, contrariedade, da depressão
propriamente dita, que é uma condição patológica, limitante, e
que implica na necessidade de tratamento específico adequado.
Falar
em frustração não significa falar de algo doentio, mórbido.
A
frustração, é uma ocorrência universal e comum a todas pessoas
conscientes das condições de sua existência, significa algo
necessário ao amadurecimento e, consequentemente, ao
desenvolvimento do sujeito, de sua relação com o mundo objectual
(sua realidade), com os outros e consigo próprio.
O
ser humano, tal como os animais superiores, tende a fugir da dor e se
aproximar do prazer.
Portanto,
há sempre uma pretensiosa tentativa de suprimir o sofrimento das
frustrações ou das perdas.
Entre
as várias maneiras que o ser humano usa para essa fuga da dor,
incluindo os mecanismos de defesa, as negações, compensações,
etc, tudo isso como parte um leque de recursos interiores, recorre-se
também à ajuda externa, algo de fora da pessoa.
Antigamente
nossos ancestrais aliviavam o sofrimento buscando ajuda externa no
feiticeiro, no pajé, no sacerdote ou coisas assim.
O
ser humano atual busca um “algo mágico”, lenitivo para seus
sofrimentos, na expectativa que tem da medicina, da ciência e da
tecnologia.
São
programas, técnicas, pílulas, terapeutas, meditações, alguma
coisa milenar, práticas exóticas e alternativas, enfim, a sociedade
dispõe de mil recursos aliviatórios.
Porém,
não são poucas as hipóteses de ser saudável e até desejável,
vivenciar os sentimentos proporcionados pelas adversidades da vida,
pelas dificuldades e frustrações das relações humanas.
Parece
que quando existe excesso de investimento psicoterápico, excesso de
intervenções farmacológicas, superproteção familiar, enfim,
qualquer esforço sociocultural no sentido de dissimular e minimizar
os sentimentos próprios dessas frustrações naturais da vida, a
pessoa poderá não desenvolver a necessária capacidade de superar
dificuldades existenciais.
Vivenciar
perdas, experimentar a melancolia e a tristeza diante das frustrações
são processos importantes para o amadurecimento psíquico e
aprimoramento das relações sociais.
A
Depressão não pode ser compreendida como sinônimo do sentimento de
tristeza e melancolia que qualquer pessoa experimenta diante das
dificuldades e frustrações, mas sim, como um quadro patológico
próprio e específico, relativamente emancipado dos eventos
existenciais.
Depressão
e Tristeza
Há,
sem dúvida, abuso e banalização do termo “depressão”.
Mas
nem toda sintomatologia encontrada na Depressão, assim como
tristeza, desinteresse, apatia, perda de prazer com as coisas pode
ser considerada doença depressiva ou algum transtorno do afetivo.
Muitas
vezes trata-se de um reflexo emocional de circunstâncias vivenciais
frustrantes.
A
busca do gozo e do prazer, o hedonismo dominante da sociedade
moderna, quando não está continuamente presente na vida da pessoa,
quando não mobiliza para o lazer, quando não se manifesta com
extroversão, inquietação ou euforia, acaba causando um
estranhamento capaz de fazer pensar em alguma coisa anormal, mórbida,
patológica.
Curiosamente
encontramos com frequência jovens que, por razões de
personalidade, escapam ao modelo sociocultural ocidental de
expansividade e extroversão e são incomodamente considerados
“problemáticos”.
Quase
sempre são jovens naturalmente introspectivos, reflexivos ou
refratários à frugalidade moderna que, indevidamente, acabam sendo
aconselhados a procurar “ajuda especializada”, algum tratamento
para que se iguale aos seus pares efusivos.
O
mesmo engano se comete em relação ao cansaço natural,
proporcionado pelas dificuldades da lida com a vida moderna normal.
A
exposição da pessoa ao desencanto da vida em sociedade,
principalmente nesta nossa sociedade insegura e cheia de inversões
de valores, a tristeza estimulada por tantas notícias absurdamente
bizarras, enfim, essa grande variedade de frustrações impostas às
pessoas por viver em um sistema como o nosso, costuma ser
equivocadamente interpretado como Depressão, uma patologia dentro
dos transtornos afetivos.
Na
realidade pode se tratar de um estado de frustração e desencanto
com sintomatologia bastante semelhante à depressão.
Pela
semelhança dos sintomas tais como apatia, desânimo, desinteresse,
sensação de cansaço, pode ter também ansiedade, prostração,
abatimento intelectual, moral, físico, letargia, estresse,
melancolia, a depressão acaba sendo uma espécie de irmã gêmea da
frustração.
Na
frustração, pela falta de um objeto (ou situação) pleiteado ou
por um obstáculo externo ou interno não superado, a pessoa se priva
da satisfação de um desejo, de um anseio ou de uma necessidade.
Esse
distanciamento do prazer proporcionado pela frustração se
assemelha, de fato, à Depressão.
Mas
a frustração é predominantemente existencial e a Depressão é
predominantemente constitucional ou biológica.
Sendo
a frustração predominantemente existencial, supõe-se ser possível
adaptar-se de alguma forma a ela, comportamentalmente ou
cognitivamente.
Assim
sendo, frustrações são importantes para que as crianças aprendam
a lidar melhor com privações de desejos, de prazeres, de caprichos
…
É
correto acreditar que a pessoa frustrada está muito mais sujeita a
deprimir-se do que a pessoa sem frustração, pois, tal como uma
Reação Vivencial, os sintomas depressivos, incluindo a tristeza,
seriam as reações emocionais diante da frustração.
Da
mesma forma, o inverso é verdadeiro, uma pessoa deprimida terá
frustrações com mais facilidade, pois a sensibilidade afetiva dos
deprimidos torna mais sofríveis e tristes as perdas vivenciais.
As
pessoas com perfil afetivo mais depressivo são aquelas que,
geralmente, têm baixa tolerância à frustração, são rígidas e
inflexíveis em seus valores, estabelecem metas difíceis para si
mesmas.
São
intransigentes com elas mesmas e em seus julgamentos, experimentam
culpa e se impõem sofrimentos.
Mas
os fenômenos não são os mesmos; tristeza, aborrecimento,
frustração, estado depressivo ou reação depressiva são
circunstâncias afetivas reativas diferentes do Transtorno
Depressivo.
E
esse será o xis da questão.
Será
que a população de deprimidos biológicos está aumentando
assustadoramente por razões desconhecidas ou, será que as
frustrações proporcionadas pela vida cotidiana têm resultado em
maior número de pessoas com estado depressivo?
Seria,
talvez, bastante prudente começar a diferenciar os quadros com
sintomas depressivos semelhantes mas de origem diferente.
Hoje,
praticamente todo estado depressivo se inclui dentro do diagnóstico
de Transtorno Depressivo.
E
a ascensão estatística desse diagnóstico é assustador, inclusive
em crianças e adolescentes.
Depressão
e Frustração na Infância
O
interesse científico pela depressão em crianças e adolescentes
aumentou depois da década de 70, quando até então se acreditava
que fosse rara ou inexistente.
Atualmente
a depressão maior em crianças e em adolescentes é considerada
comum, debilitante e recorrente, envolvendo um alto grau de morbidade
e mortalidade, representando um sério problema de saúde pública
(Bahls, 2002).
Em
crianças pré-escolares, até a idade de seis a sete anos, a
depressão é representada por sintomas físicos, tais como dores
(principalmente de cabeça e abdominais), fadiga e tontura em 70% dos
casos Goodyer (1996).
Em
segundo lugar, depois das queixas físicas, a depressão infantil se
manifesta por sintomas relacionados à ansiedade, especialmente
ansiedade de separação, fobias, hiperatividade, irritabilidade,
diminuição do apetite com falha em alcançar o peso adequado e
alterações do sono.
Entre
esses sintomas da depressão infantil destaca-se a perda do prazer de
brincar ou ir para a pré-escola, escola quando for o caso ou outros
cursos de habilidades para cada idade (natação, balet, capoeira,
futebol, ginástica olímpica, línguas estrangeiras, informática,
piano, etc, etc, etc).
Uma
questão intrigante seria saber se os próprios compromissos impostos
às crianças não seriam estressores suficientemente fortes para
gerar as tensões necessárias à sintomatologia depressiva.
Não
bastasse o próprio empenho existencial para dar conta desse rol de
compromissos, ainda existe a inegável e dissimulada expectativa
opressora dos pais por resultados nunca menos que brilhantes.
É
claro que, cientificamente, devemos respeito às observações de
alguns autores, como de Bhatara (1992) por exemplo, segundo o qual,
tanto em crianças pré-escolares como nas escolares a depressão
pode tornar-se clara através da observação dos temas com conteúdos
predominantes de fracasso, frustração, perdas, culpa e excesso de
autocríticas.
Mas,
insistimos em questionar, não poderia ser o contrário?
A
sintomatologia depressiva não poderia surgir como consequência
dessas vivências frustrantes.
Também
em relação aos adolescentes.
Adolescentes
deprimidos, como se sabe há tempos, não estão sempre tristes.
É
mais comum que seus sintomas depressivos façam com que estejam
principalmente irritáveis, instáveis, com crises de explosão e
raiva.
Mais
de 80% dos jovens deprimidos apresentam, além do humor irritado,
perda de energia, apatia, desinteresse, sentimentos de desesperança
e culpa (Kazdin & Marciano, 1998).
Esse
quadro do adolescente pode igualmente ser tido como reflexo de
altíssimo grau de aborrecimento e frustração, seja pelo
descontentamento com aspectos corporais, com a identidade, com a
popularidade, com o relacionamento amoroso, seja pela simples falta
de perspectivas existenciais ou pela não aquisição de bens de
consumo estimulada pela propaganda.
Em
nosso meio, o jovem universitário começa a se frustrar quando
percebe a grande incerteza em um futuro promissor concordante com sua
vocação ou com o curso a que se dedica, entre muitos outros
aborrecimentos.
É
a síndrome de final do curso.
É
claro que nenhum psiquiatra de bom senso negaria a prescrição de
antidepressivos para crianças e adolescentes com franca
sintomatologia depressiva, porém, seria muito comodismo social
acreditarmos que o problema estará assim resolvido.
A
qualidade existencial e social parece não ser questionada
adequadamente.
Depressão
e Frustração: Estabelecer Diferenças
Mas
independentemente de se tratar da infância ou adolescência, é
importante destacar que a dinâmica depressiva pode se instalar em
qualquer época da vida, dependendo da intensidade dos fatores
desencadeantes, da sensibilidade afetiva da pessoa bem como de seu
potencial constitucional (genético).
Todo
esse raciocínio nos faz crer, ou melhor, nos faz deduzir que quando
a pessoa não consegue suportar as pressões internas, como
conflitos, por exemplo, ou externas, como as exigências vivenciais a
depressão encontra seu campo fértil.
Entretanto,
o que tem nos preocupado é saber se essas exigências vivenciais não
têm superado o limiar de adaptação de pessoas afetivamente normais
e, nelas, apesar da normalidade psíquica, desencadeado estados
depressivos.
Não
chamaria isso de Doença Depressiva.
Tem
sido bastante frequente na clínica diária, pessoas emocionalmente
normais, com antecedentes emocionais absolutamente sadios e que, ao
se depararem com as tensões do cotidiano (competitividade,
violência, insegurança, doenças graves, etc) acabam invadidas por
pensamentos de culpa, abandono, medo, impotência, angústia ou até
mesmo de natureza mais grave, como por exemplo, perseguição,
delírios e alucinações.
Trata-se
no máximo de um Estado Depressivo e não de um Transtorno
Depressivo, trata-se de uma reação emocional depressiva e de acordo
com a frustração, algo possível e bastante provável acontecer a
qualquer pessoa, mesmo que não tenha antecedentes psiquiátricos.
Os
sintomas são, realmente, muito semelhantes entre a frustração que
acomete a sociedade cada vez mais frequentemente e os sintomas da
Doença Depressiva, entre os quais, o rebaixamento da auto estima,
sensação de culpa pelo fracasso, pessimismo, exagero na seriedade
dos problemas, redução da motivação.
É
muito difícil, hoje em dia, uma pessoa normal atravessar sua
existência sem ter tido algum período da vida sintomas como esses.
E
aí, como fica essa questão: todas as pessoas que se sentem assim
estão com Transtorno Depressivo?
Devem
receber tratamento especializado?
A
importância da questão conceitual (frustração ou Doença
Depressiva) faz lembrar o conto de Machado de Assis, O Alienista,
quando o psiquiatra, personagem central da história, se depara com um
problema crucial: a maioria dos habitantes de sua cidade preenchia
critérios de diagnóstico para alguma doença mental.
Se
a maioria parecia ter alguma doença, então, ter alguma doença era
normal e anormal seria quem se destacava da maioria, ou seja, aqueles
que não tinham nenhum sintoma.
Entre
esses, ele próprio se encaixava.
por:
Ballone GJ – Depressão e Frustração
Fonte:
- iwww.psiqweb.med.br
A depressão ao contrário do que as pessoas pensam ser uma frescura, é na realidade uma doença, a qual ´pode se levar a morte; por isso precisamos ter um pouco de conhecimento básico sobre a doença para que possamos reconhecer quando ela esta se manifestando e assim saber como lidar com ela; porque todos nós estamos sujeitos a tê-la.
ResponderExcluirA depressão é uma coisa séria, uma doença grave, na qual pode levar à morte. Muitas pessoas acham que isso é apenas frescura, não é. É um termo muito perigoso, por isso terem que buscar a informação antes de julgar-lo, e aprender a respeitar e saber reconhecer quando está se manifestando e como saber lidar-lo. Jamais despreze uma pessoa deprimida. A depressão é o último estágio da dor humana. É a fase exata onde a alma dói de verdade.
ResponderExcluirhttps://holanda-physicaleducation.blogspot.com.br/