Os
crimes previstos contra os portadores de deficiências.
O
objetivo deste trabalho é o de analisar as diversas modalidades de
crimes que podem ser praticados em face de portadores de necessidades
especiais, destacando, principalmente, a vulnerabilidade da vítima
em face do agressor.
Em
25 de outubro de 1989 foi publicada a Lei nº 7.853, de 24 de outubro
de 1989, que disciplinou o apoio às pessoas portadoras de
deficiência e sua respectiva integração social, além definir
crimes.
Esta
lei só foi regulamentada mais de 10 (dez) anos depois, por meio do
Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999.
Este
Decreto, além de conceituar a deficiência, a deficiência
permanente e a incapacidade, descreve as situações em que a pessoa
é considera portadora de deficiência, senão vejamos:
Art.
4o
É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas
seguintes categorias:
I
- deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou
mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da
função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia,
paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia,
triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação
ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com
deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas
e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;
(Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)
II
- deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de
quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas
freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz; (Redação dada
pelo Decreto nº 5.296, de 2004)
III
- deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual
ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a
baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no
melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a
somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou
menor que 60o;
ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores;
(Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)
IV
- deficiência mental – funcionamento intelectual
significativamente inferior à média, com manifestação antes dos
dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de
habilidades adaptativas, tais como:
a)
comunicação;
b)
cuidado pessoal;
c)
habilidades sociais;
d)
utilização da comunidade;
d)
utilização dos recursos da comunidade; (Redação dada pelo Decreto
nº 5.296, de 2004)
e)
saúde e segurança;
f)
habilidades acadêmicas;
g)
lazer; e
h)
trabalho;
V
- deficiência múltipla – associação de duas ou mais
deficiências.
Esclarecidos
os pontos iniciais, passemos então ao estudo dos crimes previstos na
Lei nº 7.853/89 e, na sequência, outros crimes previstos no próprio
Código Penal Brasileiro.
Dos
crimes previstos na Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989
A
Lei nº 7.853/89, de maneira peculiar, trouxe uma sistemática
diferente daquela comumente empregada em outras leis definidoras de
infrações penais, já que prevê a pena no caput
do
artigo, antes mesmo da definição da conduta delituosa.
Seu
artigo 8º possui a seguinte redação:
Art.
8º Constitui crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro)
anos, e multa:
I
- recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem
justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de
qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da
deficiência que porta;
II
- obstar, sem justa causa, o acesso de alguém a qualquer cargo
público, por motivos derivados de sua deficiência;
III
- negar, sem justa causa, a alguém, por motivos derivados de sua
deficiência, emprego ou trabalho;
IV
- recusar, retardar ou dificultar internação ou deixar de prestar
assistência médico-hospitalar e ambulatorial, quando possível, à
pessoa portadora de deficiência;
V
- deixar de cumprir, retardar ou frustrar, sem justo motivo, a
execução de ordem judicial expedida na ação civil a que alude
esta Lei;
VI
- recusar, retardar ou omitir dados técnicos indispensáveis à
propositura da ação civil objeto desta Lei, quando requisitados
pelo Ministério Público.
Esses
delitos podem ser classificados como formais, eis que independem de
algum resultado para sua consumação.
São
também crimes dolosos, eis que não previsão para a modalidade
culposa.
No
que se refere à tentativa, esta é admitida na grande maioria das
condutas.
A
exceção fica por conta dos chamados crimes omissivos próprios, ou
seja, aqueles que se consumam instantaneamente.
É
o caso, exemplificadamente, das condutas “deixar de prestar
assistência – inciso IV”, “deixar de cumprir – inciso V” e
“omitir dados – inciso VI”.
Em
todas as modalidades delitivas é cabível a suspensão condicional
do processo, nos termos do artigo 89 da Lei nº 9.099/95, verbis:
Art.
89. Nos crimes em que a pena
mínima cominada for igual ou inferior a um ano,
abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer
a denúncia, poderá
propor a suspensão do processo,
por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo
processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os
demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena.
(sem
grifos no original)
Por
fim, todos os crimes são de ação penal pública incondicionada.
Dos
crimes previstos no Código Penal Brasileiro
Além
das condutas previstas na Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, o
Código Penal também elenca uma série de delitos cujas vítimas são
pessoas portadoras de deficiência.
O
primeiro deles está no capítulo “DAS LESÕES CORPORAIS”.
Trata-se do § 11º, que remete ao § 9º, ambos do artigo 129:
Lesão
corporal
Pena
- detenção, de três meses a um ano.
(...)
§
9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão,
cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou,
ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de
coabitação ou de hospitalidade: (Redação dada pela Lei nº
11.340, de 2006)
(...)
§
11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um
terço se o
crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.
(Incluído pela Lei nº 11.340, de 2006) (sem
grifos no original)
Nos
CRIMES CONTRA A HONRA, os delitos estão assim dispostos:
Calúnia
Pena
- detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
Difamação
Pena
- detenção, de três meses a um ano, e multa.
Injúria
Pena
- detenção, de um a seis meses, ou multa.
§
3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a
raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa
ou portadora
de deficiência:
(Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
Pena
- reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº
9.459, de 1997)
Disposições
comuns
Art.
141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se
qualquer dos crimes é cometido:
(...)
IV
- contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora
de deficiência,
exceto no caso de injúria. (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003)
(sem grifos no original)
Outras
duas hipóteses estão previstas nos CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO
TRABALHO:
Frustração
de direito assegurado por lei trabalhista
Pena
- detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena
correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 9.777, de
29.12.1998)
(...)
§
2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor
de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora
de deficiência física ou mental.
(Incluído pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)
Aliciamento
de trabalhadores de um local para outro do território nacional
Art.
207 - Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra
localidade do território nacional:
Pena
- detenção de um a três anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº
9.777, de 29.12.1998)
(...)
§
2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor
de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora
de deficiência física ou mental.
(Incluído pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)
(sem grifos no original)
Por
fim, o Código Penal tipifica as condutas descritas como CRIMES
CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL, a saber:
Estupro
de vulnerável (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Art.
217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com
menor de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena
- reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei nº
12.015, de 2009)
§
1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput
com alguém que, por enfermidade ou deficiência
mental,
não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que,
por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. (Incluído
pela Lei nº 12.015, de 2009)
Favorecimento
da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável
(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Art.
218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma
de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por
enfermidade ou deficiência
mental,
não tem o necessário discernimento para a prática do ato,
facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: (Incluído pela
Lei nº 12.015, de 2009)
Pena
- reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. (Incluído pela Lei nº
12.015, de 2009)
Tráfico
internacional de pessoa para fim de exploração sexual (Redação
dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Art.
231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de
alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de
exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no
estrangeiro. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena
- reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. (Redação dada pela Lei
nº 12.015, de 2009)
(...)
§
2o A pena é aumentada da metade se: (Redação dada pela Lei nº
12.015, de 2009)
(...)
II
- a vítima, por enfermidade ou deficiência
mental,
não tem o necessário discernimento para a prática do ato;
(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Tráfico
interno de pessoa para fim de exploração sexual (Redação dada
pela Lei nº 12.015, de 2009)
Art.
231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do
território nacional para o exercício da prostituição ou outra
forma de exploração sexual: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de
2009)
Pena
- reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. (Redação dada pela Lei nº
12.015, de 2009)
(...)
§
2o A pena é aumentada da metade se: (Incluído pela Lei nº 12.015,
de 2009)
(...)
II
- a vítima, por enfermidade ou deficiência
mental,
não tem o necessário discernimento para a prática do ato;
(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
(sem grifos no original)
Conclusão
As
políticas de apoio ao portador de deficiência são uma realização
da chamada igualdade material, que se traduz no jargão “tratar
igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que
eles se desigualam".
Na
seara criminal, é ainda mais patente essa preocupação com a
vulnerabilidade da vítima.
As
agravantes ou causas de aumento de pena refletem uma especial cautela
para com os portadores de deficiências.
Finalizamos,
assim, com as belas palavras do Professor Eudes Quintino de Oliveira
Júnior.
Assim,
direta ou indiretamente, a vulnerabilidade vai ingressando no Código
Penal e exigindo um espaço para explorar sua dimensão.
Muitas
são as necessidades e fragilidades do homem que vão surgindo de
acordo com a utilização da inteligência racional.
Assim,
o indivíduo é visto como um bem que deve ser conservado para a
própria perpetuação da humanidade.
As
imperfeições fazem parte da natureza humana, mas se apresentam como
obstáculos a serem superados.
Do
contrário, não se justifica a grandiosidade do ser humano.
A
sabedoria, a experiência, a solidariedade são atributos que se
desenvolvem no homem justamente para buscar o aprimoramento de sua
existência.
A
lei, em razão de seu espírito cogente, apresenta-se como um espaço
hábil para o desenvolvimento das práticas que buscam a valorização
do homem e sua realização na sociedade em que vive.
Salienta
o filósofo argentino BLANCO a respeito da definição de homem no
sentido de “animal racional”:
“Por
conseguiente la definicion del hombre como “animal racional” nos
es empobrecedora del hombre, porque no quiere decir que lo único que
hace el hombre es “pensar ideas”, sino que ló definimos como
racionalidad es la nota fundante que hace posibles todas las demás,
que vienen a ser fundadas.
Entonces,
si yo quiero dar la definición ideal – por género y diferencia
específica -, bastará com que exprese la nota fundante: la
racionalidad, sin que tenga que agregar las notas o propiedades que
se derivan de ella, lo que sucederia si definiera al hombre como
“animal ético”, “animal religioso”, o “animal social”.
Notas:
Art.
3o
Para os efeitos deste Decreto, considera-se:
I
- deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou
função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere
incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão
considerado normal para o ser humano;
II
- deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou
durante um período de tempo suficiente para não permitir
recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos
tratamentos; e
III
- incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade
de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações,
meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de
deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias
ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a
ser exercida.
Art.
100 do Código Penal – “A ação penal é pública, salvo quando
a lei expressamente a declara privativa do ofendido”.
Esta
definição de igualdade que predomina em toda doutrina nacional,
decorre de discurso escrito por Rui Barbosa para paraninfar os
formandos da turma de 1920 da Faculdade de Direito do Largo de São
Francisco, em São Paulo. Intitulado Oração aos Moços, onde se
lê:
"A
regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente
aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade
social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a
verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do
orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a
desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não
igualdade real".
O
CONCEITO DE VULNERABILIDADE NO DIREITO PENAL – disponível em
http://www.unorp.br/
Fonte
– www.conteudojuridico.com.br
É sempre bom termos conhecimentos de nossos direitos perante as leis, só assim podemos requerer nossas defesa e o cumprimento destas, são tantos os direitos que muitas vezes ou melhor na maioria das vezes não temos o menor conhecimento destas leis que protegem e garante os direitos dos deficientes.
ResponderExcluirDevemos ter conhecimentos sobre as leis que regem os direitos dos deficientes, porque assim podemos saber nossos direitos e como cobrá-los com o respalda das leis fazendo assim que sejam cumpridos; isso tudo vem de encontro ao desrespeito com que a sociedade trata os deficientes com seus conceitos pré estabelecidos sobre o "perfeito" e o "normal' que ela acha que seja; mas esquecem que a "perfeição" é relativa assim como o "normal" o que na realidade é um conceito que não existe porque cada um de nós é uma individualidade, somos semelhante mas não iguais; partindo desse princípio concluirmos que há muita diversidades e assim temos que respeitar e conviver com as diferenças dignamente.
ResponderExcluir