O
grito de revolta
de
um tetraplégico
Chove.
Chove
muito.
É
um daqueles dias de chuva intensa.
Como
se isso não bastasse está vento e frio.
Um
temporal extremamente desagradável.
No
entanto é dia de trabalho.
Tenho
de colocar a capa para a chuva na cadeira.
É
assim a senda de quem é tetraplégico.
Quem
me ajuda?
A
minha Mãe.
Sempre
a minha Mãe com o seu carinho e paciência.
Já
antes me tinha colocado na cadeira, antes disso tinha-me vestido, e
antes ainda tinha-me trocado de posição, dado banho, feito a
higiene…
Neste
dia como em todos os dias.
Um
ciclo de rotinas que, alguém como eu, um tetraplégico não consegue
fazer sozinho.
Ela
está sempre lá pronta para me ajudar com todo o seu amor de mãe.
Um
trabalho pesado e paciente que faz sem se queixar muito, pois quer o
melhor para mim.
Já
é assim há vinte anos.
Desde
que uma lesão vertebral medular na c5 me deixou tetraplégico.
Fisicamente
uma espécie de bebe grande com mente adulta.
Cuida
de mim sem ter nada em troca sem ser o meu bem-estar.
Abdica
do tempo para si para que eu possa viver.
É
assim a minha Mãe.
Uma
Mãe com M grande!
Tudo
que sou a ela o devo.
Colocar
a capa é demorado, assim como vestir e tudo o resto.
Mais
de meia hora para me preparar para sair à rua.
No
inverno é mais complicado e os setenta anos da minha mãe tornam
esta tarefa ainda mais lenta.
A
idade não perdoa e a lentidão vai-se tornar maior, essa é a
realidade!
Mesmo
assim estamos prontos.
Ela
faz questão de me acompanhar porque dirigir a cadeira com a capa
naquelas condições climatéricas é complicado e a minha Mãe,
zelosa, não quer que me aconteça algum acidente.
A
verdade é que preciso mesmo de alguém que ajude entre o trânsito.
Cerca
de um quilometro divide a minha casa do meu trabalho.
O
trajeto é um inferno com a chuva e o vento a virem de frente.
A
minha Mãe segue a meu lado.
Torna-se
impossível abrir o guarda-chuva por causa da ventania.
A
única coisa que a protege da chuva é um impermeável e um chapéu
que enterrou na cabeça para que não voasse.
Vinte
minutos depois chegamos ao destino.
Parece
que demorou muito mais.
Neste
dia não posso mesmo faltar porque o meu trabalho exige horários e
datas limite.
Sim,
apesar de tudo estudei e arranjei um emprego que requere
responsabilidade.
Tudo
isto porque a Minha mãe estava lá a abdicar da sua vida para que eu
pudesse ter a chamada “vida normal”.
Este
é um desses dias em que tenho de cumprir um prazo.
Claro
que se não fosse trabalhar hoje (e bem me apetecia), ninguém
morria.
Mas
iriam acontecer reclamações e a minha competência ia ser posta em
causa, bem como da minha entidade empregadora.
A
minha Mãe não quis que isso acontecesse por isso veio comigo, como
em tantos outros dias.
Agora
o processo é inverso.
Tirar
a capa e o casaco.
São
mais dez minutos até que fique pronto.
Sim,
demora tempo e a minha Mãe não é jovem, portanto tudo é mais
lento.
Depois
de sacudir a roupa e a pendurar no cabide voltou para casa para se
secar a ela própria e à tarde repetir o processo para me buscar.
Quando
cheguei à minha secretária senti que as lágrimas queriam sair.
Fui
tomado por uma tristeza e um cansaço.
Não
um cansaço físico, mas aquele cansaço que só os que rumam contra
a corrente e lutam para mudar mentalidade conhecem.
Será
que isto tudo vale a pena?
Tenho
quarenta anos e a minha Mãe setenta.
Até
quando poderia cuidar de mim para que pudesse ter uma vida digna?
Ela
devia estar a gozar um merecido descanso, em vez disso, na sua
aposentadoria está refém dos meus horários e das minhas
necessidades.
Senti-me
mal.
Triste
e culpado.
Será
que isto vale mesmo a pena?
Juro
que me apeteceu apresentar a carta de despedimento naquele momento.
Antecipar
o futuro e arranjar uma instituição que me acolha.
Sim!
Senti-me
derrotado…
Ou
estaria apenas a antecipar o futuro?
O
tempo não perdoa e sem um projeto de Vida Independente não poderei
continuar esta vida de pessoa integrada na sociedade.
Tão
simples quanto isso.
O
Estado, que tanto diz que protege os mais desprotegidos, limita-se a
dizer que vai fazer estudos atrás de estudos para tornar a Vida
Independente uma realidade.
Intenções
bonitas que não passam disso mesmo, intenções que não saem do
papel.
Passam-se
os anos e a esperança que aconteça alguma coisa vai desaparecendo.
A
verdade é que sem alguém que me auxilie não sou nada.
A
minha mente continua ativa, inteligente, informada, mas sem alguém
que seja as minhas mãos não sou nada!
Mesmo
tendo tanto para dar à sociedade.
Lembrei-me
do Eduardo Jorge e da sua luta que é igual à minha.
Apesar
de todos os esforços e iniciativas que levou a cabo, teve de ser
violentamente arrancado de casa e internado num lar.
Apesar
de ter conforto, auxilio, está fora do seu ambiente, da sua terra,
da sua faixa etária, sujeito a regras que não são as suas.
A
instituição é muito bem-intencionada é certo e de louvar.
Mesmo
assim não deixo de acreditar que seja uma prisão dissimulada.
Num
país democrático, que diz proteger o seu povo, prender alguém
somente por ter uma deficiência física não deixa de ser um contra
senso.
Sem
um projeto de Vida Independente sinto-me completamente desprotegido.
Por
isso este cansaço tomou conta de mim.
Já
não é revolta nem falta de vontade de lutar.
É
apenas desapontamento.
A
minha Mãe não tem direito a viver a vida dela?
Não
tem direito a ser compensada pelos serviços que me prestou e presta?
Não
tenho direito a viver na minha própria casa?
A
trabalhar?
A
pagar impostos?
Bolas!
Não
peço nada por egoísmo, quero devolver a independência que me
derem.
Tenho
quarenta anos, sou um jovem nos dias que correm, porque a Vida independente
ainda não existe em Portugal?
Não
sou só eu.
São
muitas vozes caladas que gritam em silêncio ou simplesmente desistem
porque a vida é mesmo assim!
Não,
não é!
Não
tem de ser.
A
vida é dura sim, para todos.
As
coisas são como são mas não há necessidade de me castrarem a
alma.
Não
quero passar os meus dias num lar, desfasado de mim mesmo, condenado
a ser o eterno coitadinho lá do sítio quando tenho tanto para
oferecer.
Agora
a tristeza transformou-se em revolta e este texto surgiu.
Partilho
com o Eduardo porque sei que ele me compreende.
Nestes
dias em que tanta gente se mobiliza com urgência para debater a
eutanásia e ninguém o faz pela Vida Independente, parece-me que a
morte é mais importante do que a dignidade.
Parece
que um mosquito a zumbir à noite, incomoda mais do que este assunto!
À
tarde volto para casa à chuva na companhia da minha Mãe.
Sempre
a minha Mãe com todo o seu carinho a cuidar de mim.
Chove
menos, ainda bem.
As
obrigações do meu trabalho estão compridas como as de outro
colaborador qualquer, mas há em mim muito a desabafar com revolta
por isso tenho de escrever isto.
Este
texto é só um texto.
Só
palavras de revolta como tantas outras que caem no esquecimento.
Como
as de tantas outras de quem revindica os seus direitos.
Ainda
assim escrevo para canalizar o meu grito na esperança, que teima em
não morrer, de que a Vida Independente se torne realidade em breve…
Texto
enviado por Eduardo Jorge – Nós
Tetraplégicos
Fonte:
- www.projectoeuconsigo.pt
Comentário:
Eu
estava procurando na internet material para mais uma postagem, quando
me deparei com este texto maravilho que me comoveu e ao mesmo tempo
relata o pensamento e a revolta de todos nós tetraplégicos; pedimos
apenas que nos deem oportunidades para que possamos mostrar nossa
capacidade e inteligência; acho que devem nos respeitar dignamente.
Então
meus amigos resolvi compartilhar com vocês esta mensagem de
desabafo.
Um
abraço pra todos!
Filho
de Deus.
Tão
utilizada que se desgastou.
Temos
ideia do que significa ser Filho
de Deus?
Sentimo-nos
filhos de Deus?
Primeiro,
precisamos entender de Quem ou de Que estamos falando.
A
palavra Deus
designa a Inteligência Suprema do Universo, a causa primária de
todas as coisas.
Dentro
de todas essas coisas,
estamos também nós, Espíritos, os seres inteligentes da Criação.
Essa
Inteligência, que chamamos Deus – e outros chamam por outros
nomes – rege o Universo através de leis perfeitas de amor e
justiça.
Nada
sai do Seu controle.
Tudo
é perfeitamente administrado por Ele.
Ele
também administra uma obra de beleza inimaginável.
Conhecemos
pouquíssimo de sua exuberância e quanto mais vamos descobrindo,
mais vamos nos encantando.
Como
tudo se encaixa, como tudo funciona com perfeição, do micro ao
macro.
Tudo
tem sua função na natureza, tudo se encadeia, se entrelaça, se
interliga.
É
uma verdadeira obra
de arte.
Agora
vem o mais interessante: fazemos parte desta obra de arte.
Temos
uma função importante na Criação.
Quando
o Codificador da Doutrina Espírita, Allan Kardec, perguntou aos
mestres da Espiritualidade qual o objetivo da encarnação dos
Espíritos, isto é, por que necessitamos vestir um corpo material e
nos vincularmos a uma vida física, recebeu a seguinte resposta:
Deus
impõe a encarnação aos espíritos, com o fim de fazê-los chegar
à perfeição.
Para
uns é expiação, para outros, missão.
Mas,
para alcançarem essa perfeição, têm que sofrer as vicissitudes
da existência corporal.
Visa
ainda um outro fim a encarnação: o de por o espírito em condições
de suportar a parte que lhe toca na obra da criação.
Aí
está: a parte que nos toca na obra da Criação.
Temos
uma parte em tudo isso.
Somos
importantes, temos significado, precisamos existir.
Para
aqueles que, por vezes, nos sentimos insignificantes, pensemos: será
que o sol se sente assim?
Ele
tem uma parte na grande obra universal.
Mas
o que é o sol diante das centenas de bilhões de sóis no Universo?
Para
os que gostam de contar números apenas, pode parecer
insignificante.
Em
segundo lugar, precisamos entender que não somos partes do Criador
e nem emanações d'Ele.
Somos
Sua obra, somos filhos, somos independentes d'Aquele que nos criou.
Carregamos
em nosso íntimo sua assinatura, a assinatura do grande Autor, que
nos faz caminhar rumo à felicidade inevitavelmente.
Um
pai está sempre próximo e presente na vida de seus filhos.
Não
poderia ser diferente.
O
que acontece conosco é que não percebemos o Pai como poderíamos
perceber.
Alguns
a ponto de dizer que Ele nem sequer existe.
Essa
aparente distância
nós criamos pela falta de sensibilidade, que precisa ser
desenvolvida.
Essa
sensibilidade faz parte de nossas conquistas morais, assim como a
amorosidade – amor ao próximo.
Juntas
vão construir uma nova virtude: religiosidade.
A
religiosidade nos dará a capacidade de perceber o Criador,
percebendo o nosso próximo e construindo um laço de amor entre
nós, ele e o Pai Maior.
Fonte:
- Momento Espírita, com citação da questão 132, de O
livro dos Espíritos,
de Allan Kardec, ed. FEB. Em 21.8.2017.
A história deste rapaz é linda e comovente e a sua luta diária para sobreviver e conviver com as possibilidades que suas limitações lhe dá; mas, como podemos ver a luta dos deficientes para a sua inclusão e acessibilidade não é problema só aqui no Brasil os países da Europa também oferecem muito pouca infraestrutura arquitetônica e mobilidade para os deficientes em suas cidades; por isso, vemos que é preciso mais conscientização das autoridades e da sociedade como um todo voltar suas atenções para com os deficientes e lhes darem melhores condições de vida.
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