*Izabel
Maria Madeira de Loureiro Maior.
Equipe
Inclusive - 1ª parte.
Movimento
político das pessoas com deficiência: reflexões sobre a conquista
de direitos.
RESUMO
O
artigo contextualiza a conquista de direitos e autonomia pelas
pessoas com deficiência no Brasil ante os fatos históricos e
mudanças conceituais da deficiência.
São
apresentados os principais marcos internacionais adotados pela ONU
que influenciaram o surgimento do movimento político dos brasileiros
com deficiência até a ratificação da Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, com equivalência
constitucional em 2009.
Conceituam-se
os modelos biomédico e social da deficiência, correspondentes à
integração e à inclusão, os quais se diferenciam pela mudança de
foco dos impedimentos individuais para a discriminação e a falta de
acessibilidade impostas pela sociedade.
Avalia-se
a atuação direta das pessoas com deficiência na inserção de seus
direitos na Constituição de 1988, referencial para a elaboração
das leis, a implementação das políticas afirmativas, da educação
inclusiva e dos recursos de acessibilidade e tecnologia assistiva.
Avaliam-se
autonomia, vida independente e apoios como princípios para a
equiparação de oportunidades.
Discutem-se
as estratégias para implementar e fiscalizar o cumprimento da Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, surgida com o
propósito de adequar a legislação e as políticas públicas às
obrigações contidas na Convenção da ONU.
Conclui-se
que novos avanços da luta por direitos dependem do fortalecimento
das associações de pessoas com deficiência, promoção de
lideranças, maior participação e autonomia para mulheres com
deficiência, pessoas com deficiência intelectual, múltipla e
transtorno do espectro autista, ainda sub-representadas nos espaços
sociais.
As
pessoas com deficiência representam 15% da população mundial,
cerca de um bilhão de habitantes, conforme a Organização Mundial
da Saúde (OMS), no Relatório Mundial sobre a Deficiência,
publicado em 2011.
Trata-se
da maior minoria do planeta que sobrevive em extrema desigualdade
social, como analfabetismo, desemprego e baixa renda (SÃO PAULO,
2012).
Essa
realidade impacta os indicadores de desenvolvimento sustentável de
forma negativa, razão suficiente para que o segmento social das
pessoas com deficiência tenha seus direitos e necessidades
específicas levadas na agenda política de todos os países.
No
Brasil, o Censo IBGE 2010 aferiu que 23,9% da população,
aproximadamente 45 milhões de pessoas, mencionaram apresentar alguma
dificuldade funcional.
Nesse
total estão considerados todos os tipos e graus de deficiência de
acordo com o desempenho nas atividades e domínios pesquisados:
alguma dificuldade, grande dificuldade ou não ser capaz de caminhar
e subir escadas, enxergar, ouvir ou apresentar deficiência
mental/intelectual (IBGE, 2012).
De
acordo com Carvalho, é importante notar que, ao contrário de outros
grupos sociais visivelmente homogêneos e com necessidades
compartilhadas, as pessoas com deficiência têm na própria
diversidade uma de suas mais evidentes características (CARVALHO,
2012).
A
presença de diferenças entre os seres humanos tem sido, por
séculos, motivo de eliminação, exclusão e formas diversas de
segregação das pessoas com deficiência, tomadas como risco à
sociedade, como doentes e como incapazes.
Em
todas essas situações manifesta-se a opressão daqueles que detêm
o poder sobre os indivíduos em situação de vulnerabilidade.
Da
invisibilidade à convivência social, houve longa trajetória
representada pelas medidas caritativas e assistencialistas, que
mantiveram as pessoas com deficiência isoladas nos espaços da
família ou em instituições de confinamento (MAIOR, 2016).
A
conquista de direitos pelas pessoas com deficiência é recente e
pode ser dividida em duas fases distintas.
Inicia-se
pelo envolvimento e condução do processo pelas famílias e por
profissionais dedicados ao atendimento e, posteriormente, pela
participação direta das próprias pessoas com deficiência,
apoiadas por familiares.
Em
ambos os momentos predomina a atuação das associações da
sociedade civil que lutam por espaço para as pessoas com deficiência
na agenda política.
Da
tutela à autonomia, o movimento social procura vencer a
discriminação, a desvalorização e a falta de atenção por parte
dos governos (MAIOR, 2015).
A
história das pessoas com deficiência no Brasil do século XIX
caracteriza-se pela educação especial de cegos e de surdos em
internatos, repetindo o cenário europeu.
Nessa
época foi introduzido o sistema Braille de escrita para os cegos e,
entre 1880 e 1960, os surdos foram proibidos de usar a língua de
sinais para não comprometer o aprendizado compulsório da linguagem
oral (LANNA JÚNIOR, 2010).
Esse
fato representa no Brasil a mais emblemática dominação da cultura
hegemônica dos ouvintes sobre os surdos, impedidos de se
desenvolverem em sua cultura natural.
No
início do século XX estabeleceram-se as escolas especiais para
crianças com deficiência mental (atualmente reconhecida como
deficiência intelectual) em redes paralelas ao ensino público,
devido à omissão do Estado.
A
educação especial representou um avanço para a época e foi
introduzida principalmente por iniciativa das associações
Pestalozzi (nome do criador do método) e, posteriormente, pelas
Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae).
Os
termos excepcionais e portadores de necessidades especiais eram
usados e, embora anacrônicos e incorretos, persistem na sociedade,
particularmente por serem repetidos pela mídia.
As
pessoas com deficiência física (antes chamadas de deficientes
físicos) eram atendidas na área da saúde, em centros de
reabilitação mantidos por iniciativa não governamental.
Esses
centros surgiram a partir da epidemia de poliomielite nos anos 1950 e
1960, quando foram adotadas formas de terapia desenvolvidas a partir
da II Guerra Mundial.
No
âmbito governamental, mantiveram-se iniciativas assistencialistas
divorciadas das políticas públicas existentes para a população em
geral, sob o comando da Legião Brasileira de Assistência (LBA), até
meados da década de 1990.
Esse
tipo de atendimento corresponde ao modelo biomédico da deficiência,
o qual interpreta a deficiência como consequência de uma doença ou
acidente, que gera alguma incapacidade a ser superada mediante
tratamento de reabilitação.
O
modelo está vinculado à integração social e aos esforços de
normalização das pessoas com deficiência para atenderem aos
padrões de desempenho e estética exigidos pela sociedade.
O
modelo tem como foco a limitação funcional que se encontra na
pessoa, desconsiderando as barreiras presentes no contexto social.
O
modelo (bio) médico da deficiência demonstra a resistência da
sociedade em aceitar as mudanças em suas estruturas e atitudes
(SASSAKI, 2003).
As
políticas públicas integracionistas destinadas às pessoas com
deficiência são específicas, isoladas e habitualmente restritas à
saúde, assistência social e educação especial em escolas
segregadas.
Na
integração, as pessoas com deficiência são representadas pelos
profissionais e familiares, sem voz e sem atuação direta nos
assuntos referentes aos seus interesses.
A
partir da consolidação dos estudos sobre a deficiência, na década
de 1960 (DINIZ, 2009) cresceu o movimento de reivindicação de
direitos e a luta das pessoas com deficiência para serem
reconhecidas como protagonistas em suas vidas.
Surgiu
assim o modelo social da deficiência em contraposição ao modelo
meramente biológico.
O
modelo social baseia-se nas condições de interação entre a
sociedade e as pessoas com limitações funcionais.
Acima
de tudo, as pessoas com deficiência são sujeitos de direitos, com
autonomia e independência para fazer suas escolhas, contando com os
suportes sociais que se fizeram necessários (MAIOR, 2016).
O
modelo social visa à transformação das condições existentes
mediante políticas públicas inclusivas.
Segundo
Sassaki, no modelo social da deficiência cabe à sociedade eliminar
todas as barreiras físicas, programáticas e atitudinais para que as
pessoas possam ter acesso aos serviços, lugares, informações e
bens necessários ao seu desenvolvimento pessoal, social, educacional
e profissional (SASSAKI, 2003).
Nesse
modelo, as políticas universais contemplam as especificidades do
segmento das pessoas com deficiência (BERMAN-BIELER, 2005).
Ao
final dos anos 1970, no Brasil cresceu a consciência que resultaria
no movimento político das pessoas com deficiência.
Evidenciou-se
o contraste entre instituições tradicionais para atendimento e
associações de pessoas com deficiência (LANNA JÚNIOR, 2010),
elevadas ao protagonismo e à emancipação. Entretanto, o cenário
da integração-inclusão ainda persiste nos dias atuais.
A
fase heróica do movimento das pessoas com deficiência coincide com
a abertura política, quando reunidas em Brasília em 1980, as
associações construíram a pauta comum de reivindicações de seus
direitos.
O
1° Encontro Nacional fez nascer o sentimento de pertencimento a um
grupo com problemas coletivos e, portanto, as batalhas e as
conquistas deveriam visar ao espaço público (SÃO PAULO, 2011).
Segundo
Figueira, “se até aqui a pessoa com deficiência caminhou em
silêncio, excluída ou segregada em entidades, a partir de 1981, Ano
Internacional da Pessoa Deficiente, promulgado pela ONU, passou a se
organizar politicamente” (FIGUEIRA, 2008).
Em
depoimento, Sassaki conta que “pela primeira vez surgiu a palavra
pessoa para conferir dignidade e identidade ao conjunto das pessoas
deficientes” (LANNA JÚNIOR, 2010).
Na
década de 1980, as conquistas mais importantes correspondem à
atuação no processo constituinte, quando não se permitiu uma
cidadania separada para as pessoas com deficiência e sim a inserção
dos seus direitos nos diversos capítulos da Constituição de 1988,
conforme desejo dos ativistas do movimento.
Cerca
de 15 anos depois, o movimento culmina com a ratificação da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência pelo
Brasil.
A
participação direta e efetiva dos indivíduos não foi fruto do
acaso, mas decorre do paulatino fortalecimento deste grupo
populacional, que passou a exigir direitos civis, políticos, sociais
e econômicos (GARCIA, 2011).
A
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (BRASIL,
2009) propôs o conceito de deficiência que reconhece a experiência
da opressão sofrida pelas pessoas com impedimentos.
O
novo conceito supera a ideia de impedimento como sinônimo de
deficiência, reconhecendo na restrição de participação o
fenômeno determinante para a identificação da desigualdade pela
deficiência (DINIZ, 2009).
É
importante ressaltar que a convenção adotada pela ONU em 2006 é
resultado da mobilização internacional das pessoas com
deficiências.
No
Brasil, o tratado foi incorporado à legislação com marco
constitucional, segundo o Decreto 6.949/2009 e, como tal, seus
comandados determinam a mudança conceitual da deficiência e da
terminologia para pessoas com deficiência (BRASIL, 2009).
A
deficiência é um conceito em evolução, de caráter
multidimensional, e o envolvimento da pessoa com deficiência na vida
comunitária depende de a sociedade assumir sua responsabilidade no
processo de inclusão, visto que a deficiência é uma construção
social.
Esse
novo conceito não se limita ao atributo biológico, pois se refere à
interação entre a pessoa e as barreiras ou os elementos
facilitadores existentes nas atitudes e na provisão de
acessibilidade e de tecnologia assistiva como resultado das políticas
públicas (MAIOR, 2016).
Em
outras palavras, o conceito de pessoa com deficiência presente na
convenção supera as leis tradicionais que normalmente baseiam-se no
aspecto clínico da deficiência.
As
limitações físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais são
consideradas atributos das pessoas, que podem ou não gerar
restrições para o exercício dos direitos, dependendo das barreiras
sociais e culturais que impeçam a participação dos cidadãos com
tais limitações (FONSECA, 2007).
A
mesma pessoa com limitação funcional encontrará condições para
realizar atividades e participar na comunidade na proporção direta
dos apoios sociais existentes. Isso significa dizer que o meio é
responsável pela deficiência imposta às pessoas.
Entende-se,
portanto, que deficiência é uma questão coletiva e da esfera
pública, sendo obrigação dos países proverem todas as questões
que efetivamente garantam o exercício dos direitos humanos.
Por
exemplo, na concepção de novos espaços, políticas, programas,
produtos e serviços, o desenho deve ser sempre universal e
inclusivo, para que não mais se construam obstáculos que impeçam a
participação das pessoas com deficiência (LOPES, 2014).
No
âmbito federal, foi criada em 1986 a Coordenadoria Nacional para
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde), responsável
pela Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência e, em 1999, surgiu o Conselho Nacional dos Direitos da
Pessoa com Deficiência (Conade).
A
partir de 2006 foram realizadas as Conferências dos Direitos da
Pessoa com Deficiência, que reúnem ativistas, técnicos e
familiares envolvidos com inclusão social.
A
noção de diversidade humana, igualdade de direitos e respeito às
diferenças caracterizam o paradigma dos direitos humanos, modelo que
assegura, às pessoas com deficiência, dignidade, autonomia e
direito de fazer suas escolhas.
A
nova percepção motivou a mudança da Corde para a Secretaria dos
Direitos Humanos em 1995.
Em
2009 a coordenadoria deu lugar à Secretaria Nacional de Promoção
dos Direitos da Pessoa com Deficiência, mantida na estrutura do
Ministério dos Direitos Humanos em 2017.
Cabe
à secretaria propor e avaliar as leis e decretos, articular as
políticas setoriais, implementar a agenda de inclusão e dar apoio
aos entes federados e organizações não governamentais.
O
conjunto das leis brasileiras destinadas aos direitos das pessoas com
deficiência é reconhecido como um dos mais abrangentes do mundo.
Antes
da Constituição Federal de 1988 não havia normas sobre as pessoas
com deficiência, à exceção de regulamentos da Educação Especial
e da Legião Brasileira de Assistência (LBA).
Os
direitos gerais e específicos do segmento encontram-se distribuídos
em vários artigos constitucionais.
A
política de inclusão, a acessibilidade, as garantias para surdos,
cegos e pessoas com baixa visão têm leis próprias.
Outra
parte importante dos direitos está inserida, de forma transversal,
na legislação geral da saúde, educação, trabalho, proteção
social, cultura, esporte, etc.
As
leis mais recentes apresentam o recorte referente à pessoa com
deficiência, como, por exemplo, nos programas habitacionais públicos
e na política de mobilidade urbana com acessibilidade (MAIOR, 2015).
A
primeira lei federal abrangente sobre as pessoas com deficiência é
a Lei 7.853/1989 (regulamentada pelo Decreto 3.298/1999).
A
lei dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua
integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração
da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde) e institui a tutela
jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas,
disciplina a atuação do Ministério Público e define crimes.
A
acessibilidade é tratada nas Leis 10.048 e 10.098/2000 e no Decreto
5296/2004, que regulamentam a prioridade de atendimento às pessoas
com deficiência ou mobilidade reduzida (idosos, gestantes) e
estabelece normas para a promoção da acessibilidade.
Esse
decreto é o mais conhecido entre as pessoas com deficiência porque
disciplina as condições que impactam sua vida cotidiana.
O
decreto trata da acessibilidade amplamente: acesso aos espaços
públicos e edificações, moradias, bens culturais imóveis, todos
os modais de transportes coletivos e terminais de embarque e
desembarque.
Da
mesma forma, a legislação assegura a acessibilidade na comunicação
e informação, telefonia fixa e móvel, legendas, janela com
intérprete de Libras, audiodescrição de imagens para cegos na
televisão, no cinema, no teatro, em campanhas publicitárias e
políticas; sites acessíveis e tecnologia assistiva (equipamentos
que conferem autonomia, desde talher adaptado à embreagem manual de
carro ou o programa computacional de leitura da tela para cegos.
A
Lei 10.436/2002 é específica para a pessoa surda e tornou oficial a
Língua Brasileira de Sinais (Libras), mantido o português escrito
como segunda língua.
É
obrigatória a capacitação dos agentes públicos em Libras.
O
Decreto 5626/2005 define a educação bilíngue, a formação de
tradutores e guias-intérpretes de Libras, cuja profissão foi
regulamentada pela Lei 12.319/2010, permitindo concursos públicos e
contratação desses profissionais.
As
pessoas cegas ou com baixa visão, após a Lei 11.126/2005 e o
Decreto 5904/2006, podem ingressar e permanecer com o cão-guia em
ambientes e transportes coletivos, em lugar preferencial demarcado.
A
política afirmativa mais importante para as pessoas com deficiência
é o acesso ao mercado de trabalho. A Lei 8.112/1990 determinou a
reserva de cargos nos concursos públicos e a Lei 8.213/1991
estabeleceu a reserva de 2 a 5% dos cargos nas empresas com 100 ou
mais empregados, para beneficiários reabilitados e pessoas com
deficiência capacitadas profissionalmente.
continua na próxima postagem
Sempre é bom e útil estar ciente dos nossos direitos, e assim podermos saber a quem procura quando precisarmos fazer com que esse seja cumprido nas horas em que precisarmos deles para a nossa defesa. Jamais devemos ficar calados, porque existe leis que nos amparam e defende, vamos sim requerê-las e fazer com que essas sejam cumpridas para o nosso benefícios.
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