A
barbárie do preconceito contra o deficiente, todos somos vítimas.
Sandra
Regina Schewinsky*
RESUMO
O
presente artigo refere-se a reflexões tanto sobre o preconceito em
relação às pessoas portadoras de deficiência física, como sobre
o sofrimento do preconceituoso. Baseia-se na perspectiva da Teoria
Crítica, de acordo com os autores: Adorno, Horkheimer e Crochík.
Inicialmente, haverá uma breve retrospectiva histórica em relação
às ações preconceituosas e cruéis contra as pessoas portadoras de
deficiência e sua posterior relação com a atualidade. Preconiza-se
que o preconceito é um fenômeno psicológico que se dá no processo
de socialização, discorre, sobre o sofrimento, crueldade e
vergonha. Ressalta, por fim, a necessidade de uma compreensão
crítica para melhorar as condições individuais e sociais de vida.
PALAVRAS
CHAVES
Preconceito,
discriminação social, pessoas portadoras de deficiência, teoria
crítica.
A
VIDA!
As
pessoas vivem a rotina frenética, de casa para o trabalho, levando
os filhos para escola e a todos os lugares, correndo atrás do tempo.
Acham-se felizes, com o lazer obrigatório, sexo programado, consumo
desproporcional do conforto tecnológico e “imprescindível” e,
escravas da estética. Buscam sentir-se poderosas e potentes com suas
vidas.
De
repente, em ínfimos minutos, o inusitado ... o acidente. A Divisão
de Medicina de Reabilitação do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo (DMRHC/FMUSP), assiste a
portadores de grandes incapacidades físicas. São pessoas que têm
suas vidas amplamente modificadas pela instalação da deficiência,
em que perdem a independência para quase todas as atividades, das
mais primárias como comer só, higiene pessoal, andar livremente por
onde desejar e, com tais perdas a autonomia normalmente se esvai. As
seqüelas podem ser dramáticas nas vidas destas pessoas, mas as
acompanham dia a dia, um sofrimento não menos insignificante: a
crueldade do preconceito em relação ao deficiente físico. Ao
entrar em contato com a Teoria Crítica, eu adoraria ficar à parte,
pensar que as provocações dos pensadores:
Adorno,
Horkheimer1 e Crochík2 nada tinham em comum com minha prática de
trabalho e forma de encarar a vida. Engodo no qual tentei efugiar-me,
mas não consegui permanecer por muito tempo, talvez culpa da minha
má consciência …
O
incômodo sentido é a mola propulsora do atual artigo, em que
convido aos leitores a percorrer comigo algumas idéias sobre a
barbárie do preconceito contra o deficiente acompanhados de Adorno,
Horkheimer 1, Crochík 2 e outros autores, sendo que “parece”
ficar obvio que as vítimas somos todos nós. Atuações
preconceituosas e cruéis em relação às pessoas portadoras de
deficiência física perpassam pela história. Silva 3 conta-nos que
no Egito Antigo, consideravam que a deficiência era provocada por
“maus espíritos”, sendo que a nobreza, os faraós, os sacerdotes
e os guerreiros tinham acesso a tratamentos, enquanto os pobres
sucumbiam nas mãos de charlatães, serviam como atrações em circos
ou eram usados pelos sacerdotes para estudos e treinamentos de
cirurgias. Na civilização hebraica a discriminação era manifesta
nas leis, Moises escreve em “Levítico” que o homem com
deformidade corporal não pode fazer oferenda a Deus, e nem se
aproximar de seu ministério.
A
deficiência era vista pelos antigos hebreus, como indicadora de
impureza, remissão de pecados antigos, interferência de maus
espíritos e das forças más da natureza, logo os deficientes tinham
que esmolar para sobreviver, ficando expostos nas ruas e praças, e
eram apenas tolerados pela sociedade 3 (p.74). Na Grécia, havia a
super valorização do corpo belo e forte que pudesse participar das
guerras. Por isso aquele que não correspondesse a esse ideal era
marginalizado e até mesmo eliminado, entretanto guerreiros mutilados
em batalhas eram protegidos pelo Estado. A civilização romana
também preconizava a perfeição e estética corporal, a deficiência
era tida como “monstruosidade” fato que legitimava a condenação
à morte dos bebês mal formados:
Sêneca,
em Amaral 4, justifica o infanticídio: ... nós sufocamos os
pequenos monstros; nós afogamos até mesmo as crianças quando
nascem defeituosas e anormais: não é a cólera e sim a razão que
nos convida a separar os elementos sãos dos indivíduos nocivos
(p.46). Algumas crianças não eram mortas e sim abandonadas à
margem do Tibre e levadas pelos escravos e pobres para futuramente
esmolar: ocupação rendosa. Com o surgimento do Cristianismo, a
visão de homem modificou-se, para um ser individual e criado por
Deus. Os deficientes passaram a ser criaturas de Deus, com destino
imortal e merecedores de cuidados, ... a alma não é manchada por
deformidades no corpo (...) uma grande alma pode ser encontrada num
corpo pequeno e disforme 3 (p. 150).
Em
decorrência do pensamento cristão, pessoas com más formações
congênitas ou defeitos passaram a ser protegidas pela lei de
Constantino em 315 depois de Cristo. Entretanto a exclusão dos
deficientes continuou no discorrer da história. No Império
Bizantino, a Igreja Católica em conjunto com o Estado, levava-os
para mosteiros. A própria Igreja incumbia-se de realizar mutilações
como punições por crimes cometidos. Na Idade Média, a deficiência
era vista como atuação de maus espíritos e do demônio, sob o
comando das bruxas, e também resultado da ira celeste e castigo de
Deus, havia a segregação e os deficientes eram ridicularizados. A
partir do Humanismo, no século XV, modificou-se a concepção de
valorização do homem, iniciando-se a diferenciação no tratamento
de portadores de deficiência e da população pobre em geral. Nos
séculos XVI e XVII, os serviços de saúde passaram a ser também de
responsabilidade da comunidade.
Amaral
4 refere: Paracelso e Cardano (ambos do século XVI) são os
primeiros a trazer a questão da deficiência para o âmbito da
Ciência, mais especificamente da Medicina (pois eram médicos e
alquimistas), demarcando uma fronteira entre a visão teológica ou
moral e cientifica. Esses estudiosos, embora mantivessem uma estreita
ligação com as teorias que enfatizavam as forças cósmicas,
afirmavam a legitimidade de tratamento para as pessoas com
deficiência (p. 49). Em meados do século XVII, foram criados os
hospitais gerais, os quais eram; uma combinação de asilo, para a
exclusão, e de hospital para a cura e estudos. Segundo Foucault 5 a
medicina até o século XVIII, tinha caráter individual, em que os
cuidados de médico-paciente davam-se em classes de maior posse, os
pobres continuavam à mercê de charlatães. Nesse século, começa a
se estruturar a medicina social. No século XIX, devido à influência
da filosofia humanista e o advento da Revolução Industrial, a
concepção social de deficiência continuou a sofrer modificações.
Segundo
Amaral 4: Nesse período há a coexistência de múltiplas
representações do fenômeno e, conseqüentemente, de múltiplas
abordagens e atuações: algumas de caráter mais educacional, outras
de cunho médico. Mas de uma forma geral, pode-se assinalar esse
período como o da superação da visão de deficiência como doença
e o início de seu entendimento como estado ou condição (p.50). No
século XX, há um grande incremento da assistência às pessoas
portadoras de deficiência no mundo todo, pois além da filosofia
humanista, as nações deparavam-se com mutilados pós as duas
grandes guerras e acidentados nas industrias. Surgem programas de
reabilitação global, incluindo a inserção profissional de pessoas
deficientes. Nos dias de hoje, pleno século XXI, qual a realidade
que se impõe? No Brasil, temos uma verdadeira fábrica de crianças
com Paralisia Cerebral quer seja pelas más condições de saúde e
pré-natal das parturientes, quer seja por negligência médica. Em
função da violência, deparamo-nos com um número cada vez maior de
jovens atingidos por armas de fogo, acidentes automobilísticos e
outras conseqüências do uso indiscriminado de drogas. Adultos
idosos ou não acometidos de doenças neurológicas, muitas
degenerativas. Os centros de reabilitação são insuficientes e em
muitos lugares do país até mesmo inexistentes, fora isso, qual a
ideologia que impera? Ao acompanharmos o movimento histórico da
concepção e atuação com o deficiente é fácil pensar: Como as
coisas melhoraram! De fato é inegável a evolução, mas não
podemos nos deixar cegar pelas mudanças e não fazermos uma reflexão
crítica sobre o preconceito vigente. O preconceito está em nós!
Todos somos algozes e vítimas dele, aprisionados na violência das
idéias pré-concebidas e conceitos impostos sem reflexão.
Segundo
Crochík 2, o conceito de preconceito é um fenômeno psicológico
que se dá no processo de socialização. Ele nos diz em 1995: ...o
preconceito diz mais respeito às necessidades do preconceituoso do
que às características de seus objetos, pois, um destes é
imaginariamente dotado de aspectos distintos daquilo que eles são
(p.16). A pessoa portadora de deficiência pode suscitar no
preconceituoso, afetos diversos relacionados aos mais diferentes
conteúdos psíquicos. Da mesma forma, que ela própria trás consigo
preconceitos oriundos da cultura. Na nossa sociedade, em que o
indivíduo “vale” pela sua produção e riqueza, no momento em
que fica impossibilitado de exercer papéis profissionais que lhe
conferem o status quo, recai sobre ele a imagem de inutilidade e de
menos-valia.
Neste
sentido denunciam Adorno / Horkheimer 1: Todo o mundo é o que é sua
fortuna, sua renda, sua posição, suas chances. Na consciência dos
homens, a máscara econômica e o que está debaixo dela coincidem
nas mínimas ruguinhas. Cada um vale o que ganha, cada um ganha o que
vale. Ele aprende o que ele é através das vicissitudes de sua vida
econômica (p.197). Não raro, há a dor daqueles que se apercebiam
como bem sucedidos, vida social agitada e “bem queridos por amigos”
e após a instalação da deficiência, encontram-se isolados e
excluídos. De fato, é a morte daquela forma de viver, a lembrança
do que era passa a ser um fantasma e o luto instala-se.
Novamente
recorro a Adorno / Horkheimer 1: ... O que um indivíduo foi e
experimentou no passado é anulado em face daquilo que ele agora é,
daquilo que ele agora tem e eventualmente daquilo para o que pode
agora ser utilizado (...) O que se passa com todos os sentimentos, ou
seja, a proscrição de tudo aquilo que não tenha valor mercantil,
também se passa da maneira mais brutal com aquilo de que não se
pode sequer obter a reconstituição psicológica da força de
trabalho: o luto (p.201). A civilização prega o apego às coisas
materiais em detrimento as espirituais. Para adquirir tudo o que é
imposto trabalha-se mais do que as próprias forças, a vitória da
sociedade é a derrota do indivíduo, o qual se sacrifica para
sobreviver, na ilusão de que tal sacrifício pode levar ao bem
viver. Instala-se a moral do trabalho, seguindo-se a racionalidade do
sistema para aprender as suas regras. Desta feita, todos passamos a
ser meros executores de papéis, sendo que nos perfis profissionais
já estão embutidos as características pessoais para sermos
aceitos.
Segundo
Crochík 2: No momento em que se valoriza a produção que envolve a
ação eficiente, quer sobre coisas, quer sobre os homens, e que se
elege o indivíduo competente como modelo a ser seguido, a produção
quer material, quer espiritual toma o lugar da reflexão, pedindo
ações cuja racionalidade está circunscrita à esfera do trabalho e
já foi, em grande parte, deliberada anteriormente, deixando pouco a
ser pensado (p. 26). A engrenagem é massacrante, instaura-se o
impulso desmedido para o lucro e o fetiche da mercadoria, que não
são naturais do homem, mas sim talhados pela sociedade que se mantém
de forma violenta, pois a ameaça de não poder suprir a
autoconservação é declarada de várias formas. O desespero causado
pela possibilidade de não ter trabalho é mascarado pelo consumo
irracional, prazeres sem sentido, obediência, acreditar em mentiras
manifestas que não enganam a ninguém e a ideologia do sacrifício.
O engodo que está por trás do discurso de que o sacrifício é
necessário, vem a serviço de manter a ordem e o poder. A pessoa
sacrificada e subjugada imputa a si mesma a culpa do infortúnio
sofrido. Ilustro, aqui com o caso de um jovem militar que se
acidentou em serviço e sua grande dor é a possibilidade da
aposentadoria ou ter que mudar de cargo em função das limitações
físicas e de memória, chocou-me quando falou “Mas eles têm que
entender que eu não tive culpa”. Uma enxurrada de pensamentos
invadiu-me, o profissional que sofre um acidente em função do
próprio trabalho é tido como “fracassado, pois vacilou” é
inculcada a ideia do dever de ser infalível.
Desta
feita, av com Adorno / Horkheimer1: Os dirigentes não estão mais
sequer muito interessados em encobri-lo (o poder do monopólio), seu
poder se fortalece quanto mais brutalmente ele se confessa de público
(p. 114). A pessoa se torna um instrumento facilmente substituível,
ela despreza os próprios interesses e sente-se obrigada a
desempenhar comportamentos irracionais para se adaptar a sociedade
desumana e injusta, não se vislumbra a possibilidade de discutir o
assunto. A sociedade esmaga o indivíduo que não lhe apraz e impinge
a corrupção do ego pela fragilidade. O portador de deficiência
física passa a ser uma ameaça, mesmo que imaginária, para os
outros, pois nele está contida a frágil natureza da humanidade, a
possibilidade das limitações, o sofrimento que se quer negar e
ocultar a qualquer preço. A ele é negada a possibilidade de
trabalho, seu corpo não condiz à estética pré-estabelecida, ainda
hoje, é considerado por muitos como sucata humana. O terror de não
ter valor de produção e não poder suprir a autoconservação leva
os preconceituosos ao asco. São tantas obrigações, tantos
sacrifícios e regras a serem cumpridas, que a mesma dureza que a
pessoa deve ter consigo mesma, leva-a ser dura com o outro.
Desencadeia o ódio ao mais fraco e a necessidade de julgar-se
melhor, para assim, não entrar em contato com as próprias
dificuldades e achar-se potente na sua impotência.
Crochík2
cita que Sartre, Adorno e Horkheimer apontavam simultaneamente o
Preconceito como uma Paixão, a meu ver a cegueira da paixão serve
para a pessoa não abalar suas crenças e aperceber-se do próprio
cárcere, negar seu desespero e o medo da fragilidade.
Crochík2:
A sensação de superioridade do preconceituoso em relação à sua
vítima é solicitada por uma cultura que não permite um lugar fixo
a ninguém, pois é a própria insegurança de todos os indivíduos,
é a eterna luta de todos contra todos, que sustenta, assim, o poder
sobre o mais fraco é a busca de um espaço em uma sociedade que gira
em torno do poder, busca fadada ao fracasso (p. 61). A deficiência
da pessoa jamais passa em brancas nuvens, gera incômodos dos quais o
preconceituoso tenta se defender, pode ser pelo ataque propriamente
dito, o abandono, a rejeição, ou pelo seu contra-ponto a
superproteção que o desvitaliza, como ainda a negação da
deficiência por atenuações, por exemplo da fala hipócrita de que
somos todos deficientes. Fico arrepiada quando escuto um profissional
da área de saúde ou de educação dizer:“ É tão gratificante
trabalhar com eles ... que eu não trabalho por dinheiro e sim por
amor“ discurso obviamente preconceituoso, que ainda vem travestido
de uma bondade falsa de seu interlocutor.
Amaral4
esclarece-nos com propriedade: Insisto: des-adjetivar a deficiência
é um caminho. Ou seja, ser diferente não é melhor ou pior, a
diferença não é boa ou ruim, maléfica ou benéfica, para usar a
terminologia de Laplantin, 1991, aviltante ou enaltecedora. A
diferença /deficiência simplesmente é (p.148). Mas quando não era
e passa a ser? A pessoa que se pensava poderosa e depara-se com a
instalação da deficiência em sua vida adulta, passa a ser objeto
de discriminação não só dos outros mas de si mesma. Sofre pelos
preconceitos que imputava ao ver um deficiente. Durante a realização
deste trabalho, lembrei-me de um senhor que atendi há alguns anos,
que sofria muito com sua nova situação de portador de deficiência
física e sentia muita vergonha, referia não poder se apresentar
daquela “forma” para os antigos colegas, pois ele próprio
anteriormente participava de rodadas regadas a bebidas e piadas sobre
deficientes, comentava, inclusive das fantasias sexuais perversas com
as “menininhas aleijadinhas”. Armadilhas do destino? Creio que
não. A crueldade venha de quem for não deve ser perdoada. A pessoa
que carrega consigo tamanha frieza em relação ao outro, sucumbiu à
miséria da própria vida, constituiu-se em relação a um mundo
social já construído que tem predominância sobre ele, ou referindo
novamente, a super valorização da estética, o fetiche da
mercadoria e a força do poder. Fechou as portas para a capacidade de
amar, de solidariedade e de reflexão, e o sentimento de potência é
substituído pelo de vergonha.
Satow6
, explica-nos muito bem o que é vergonha: A vergonha é o medo do
olhar do outro e é o afeto social por excelência, pois deriva das
relações com as normas da sociedade, do sentimento de ter-se
afastado dessas normas. O estímulo da vergonha é o olhar do outro,
da comunidade, do público. O sentimento de vergonha é provocado
pelo afastar-se das normas sociais: o olhar do outro condena quem se
afastou ou pensa ter se afastado das normas; por isso, a vergonha é
a reguladora da moralidade, é sempre um instrumento do processo da
socialização... (p. 126).
Não
raro, a pessoa que adquire uma deficiência física ao longo da vida
sente-se culpada por este fato, como também, não raro lhe é
outorgada essa culpa. Fantasias de que está pagando por pecados, que
é merecimento por má conduta e maus sentimentos, ainda vigoram nos
dias de hoje; e são sutilmente veiculados pelos meios de
comunicação. O senhor que comentei não é apenas o algoz da
situação, é também vítima da própria construção de sua vida e
do mundo social em que está inserido. Ele sabia muito bem o que
representava para seus colegas e para si: a traição e ao mesmo
tempo o fracasso.
Faço
aqui uma analogia ao que Adorno / Horkheimer1, teorizam sobre o
criminoso: ... O indivíduo fraco, atrasado, animalizado tem que
sofrer, qualificado, uma forma de vida à qual se resigna sem amor;
encarniçada, a violência introvertida repete-se nele. O criminoso
que, ao cometer seu crime, pôs sua autoconservação acima de tudo,
tem na verdade um eu mais fraco e mais instável, e o criminoso
contumaz é um débil (p. 211).
Paira
no ar a insinuação de que se a pessoa deficiente tivesse morrido
seria melhor, seu crime é a própria vida! Embora atualmente o
discurso é da valorização do homem a todo preço, mesmo assim, os
deficientes são desprezados e sucumbem a várias formas de morte. A
morte física propriamente dita, o suicídio silencioso, o sofrimento
psíquico, o confinamento social, a falta de acesso aos cuidados à
saúde, educação e trabalho. Não é mera semelhança com outras
fases da história, principalmente no tocante aos pobres. A
contradição social vigente precisa ser superada, para que a vida
siga seu caminho com sentido, com condições de enfrentamento e
findar a exclusão. Para tal, é necessária atenção à dança dos
preconceitos de todos e de ninguém, dança envolta na música do
social e na melodia da mentira manifesta. Retomo ao meu incômodo
inicial e talvez do leitor, em que a tentação de ficar escondida
atrás do social é grande. Preciso, eu própria, olhar para meus
preconceitos, desencantar-me comigo, reconhecer minha prisão e
desconhecimento para buscar a reflexão. Na rotina frenética, é
fácil submergir a ideologia sem atentar para o que está
acontecendo. Cultuar o frívolo, passar por cima das emoções,
ignorar o sofrimento e continuar sorrindo!
A
barbárie não está só naquele que puxa o gatilho, ou assina as
leis, ou vende as drogas. Ela está na frieza das ações e não
ações, no julgamento do outro, na falta de afeto e de
solidariedade. Ressalto, que muitas vezes somos nossos carrascos.
Qualquer pessoa pode sofrer um infortúnio e ter como seqüela uma
deficiência física. Impossível negar o sofrimento real que as
limitações impingem, mas se vitimar e destituir a vida de sentido
não precisa ser a penalidade. Como também a existência de muitos
não portadores de deficiência é desprovida de condições reais e
subjetivas de qualidade. Obviamente, não se podem mudar as questões
objetivas imediatamente, mas não é preciso compactuar com aquilo
que sabidamente é injusto e discriminatório. Olhar para si próprio,
reconhecer os limites e inadequações, buscar a reflexão crítica e
o esclarecimento, podem fortalecer o indivíduo e este, assim
contribuir para uma sociedade melhor.
Bacon
citado por Adorno / Horkeimer1 vislumbra a solução: ... a
superioridade do homem está no saber, disso não há dúvida. Nele
muitas coisas estão guardadas que os reis, com todos os seus
tesouros, não podem comprar, sobre ao quais sua vontade não impera,
das quais seus espias e informantes nenhuma notícia trazem, e que
provêm de países que seus navegantes e descobridores não podem
alcançar... (p. 19). Enfim, a barbárie do preconceito contra todos
e de todos pode findar, quando for extirpada a crueldade contra os
homens e descortinada a escuridão que encobre o esclarecimento, para
que a VIDA de fato tenha valor.
REFERÊNCIAS
1-
Adorno TW, Horkheimer M. Dialética do esclarecimento: fragmentos
filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor; 1985.
2-
Crochík JL. Preconceito, indivíduo e cultura .São Paulo: Robe
Editorial; 1995.
3-
Silva OM. A epopéia ignorada: a pessoa deficiente na história do
mundo de ontem e de hoje. São Paulo: Cedas Editora; 1987.
4-
Amaral LA. Conhecendo a deficiência (em companhia de Hércules).
São
Paulo: Robe Editorial; 1995.
5-
Foucault M. Microfísica do poder . Rio de Janeiro: Editora Graal;
1985.
6-
Satow LA. Paralisado cerebral: construção da identidade na
exclusão. São Paulo: Robe Editorial; 1995.
Fonte
– www.bevistas.usp.br
Infelizmente ainda existe uma não aceitação, discriminação e preconceito de nossa sociedade em relação as pessoas com deficiência; tudo isso devido a certos padrões do que é "normal" estabelecido pela sociedade, não se enquadrando dentro deste as pessoas deficientes; apesar de haver milhões de deficientes em todo planeta há ainda aqueles que não aceitam as diferenças; por isso o deficiente está em constante luta para conquistar o seu espaço, porque ele também tem direito a um lugar na sociedade, apesar da relutância de muitos lutam para serem aceitos e respeitados como qualquer outro membro na sociedade a qual pertençam. Vamos respeitar as diferenças a sociedade querendo ou não tem que conviver com as diferenças.
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