Acreditar em si mesmo

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quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

A barbárie do preconceito contra o deficiente, todos somos vítimas.


A barbárie do preconceito contra o deficiente, todos somos vítimas.

Sandra Regina Schewinsky*


RESUMO

O presente artigo refere-se a reflexões tanto sobre o preconceito em relação às pessoas portadoras de deficiência física, como sobre o sofrimento do preconceituoso. Baseia-se na perspectiva da Teoria Crítica, de acordo com os autores: Adorno, Horkheimer e Crochík. Inicialmente, haverá uma breve retrospectiva histórica em relação às ações preconceituosas e cruéis contra as pessoas portadoras de deficiência e sua posterior relação com a atualidade. Preconiza-se que o preconceito é um fenômeno psicológico que se dá no processo de socialização, discorre, sobre o sofrimento, crueldade e vergonha. Ressalta, por fim, a necessidade de uma compreensão crítica para melhorar as condições individuais e sociais de vida.

PALAVRAS CHAVES

Preconceito, discriminação social, pessoas portadoras de deficiência, teoria crítica.

A VIDA!

As pessoas vivem a rotina frenética, de casa para o trabalho, levando os filhos para escola e a todos os lugares, correndo atrás do tempo. Acham-se felizes, com o lazer obrigatório, sexo programado, consumo desproporcional do conforto tecnológico e “imprescindível” e, escravas da estética. Buscam sentir-se poderosas e potentes com suas vidas.
De repente, em ínfimos minutos, o inusitado ... o acidente. A Divisão de Medicina de Reabilitação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (DMRHC/FMUSP), assiste a portadores de grandes incapacidades físicas. São pessoas que têm suas vidas amplamente modificadas pela instalação da deficiência, em que perdem a independência para quase todas as atividades, das mais primárias como comer só, higiene pessoal, andar livremente por onde desejar e, com tais perdas a autonomia normalmente se esvai. As seqüelas podem ser dramáticas nas vidas destas pessoas, mas as acompanham dia a dia, um sofrimento não menos insignificante: a crueldade do preconceito em relação ao deficiente físico. Ao entrar em contato com a Teoria Crítica, eu adoraria ficar à parte, pensar que as provocações dos pensadores:

Adorno, Horkheimer1 e Crochík2 nada tinham em comum com minha prática de trabalho e forma de encarar a vida. Engodo no qual tentei efugiar-me, mas não consegui permanecer por muito tempo, talvez culpa da minha má consciência …

O incômodo sentido é a mola propulsora do atual artigo, em que convido aos leitores a percorrer comigo algumas idéias sobre a barbárie do preconceito contra o deficiente acompanhados de Adorno, Horkheimer 1, Crochík 2 e outros autores, sendo que “parece” ficar obvio que as vítimas somos todos nós. Atuações preconceituosas e cruéis em relação às pessoas portadoras de deficiência física perpassam pela história. Silva 3 conta-nos que no Egito Antigo, consideravam que a deficiência era provocada por “maus espíritos”, sendo que a nobreza, os faraós, os sacerdotes e os guerreiros tinham acesso a tratamentos, enquanto os pobres sucumbiam nas mãos de charlatães, serviam como atrações em circos ou eram usados pelos sacerdotes para estudos e treinamentos de cirurgias. Na civilização hebraica a discriminação era manifesta nas leis, Moises escreve em “Levítico” que o homem com deformidade corporal não pode fazer oferenda a Deus, e nem se aproximar de seu ministério.

A deficiência era vista pelos antigos hebreus, como indicadora de impureza, remissão de pecados antigos, interferência de maus espíritos e das forças más da natureza, logo os deficientes tinham que esmolar para sobreviver, ficando expostos nas ruas e praças, e eram apenas tolerados pela sociedade 3 (p.74). Na Grécia, havia a super valorização do corpo belo e forte que pudesse participar das guerras. Por isso aquele que não correspondesse a esse ideal era marginalizado e até mesmo eliminado, entretanto guerreiros mutilados em batalhas eram protegidos pelo Estado. A civilização romana também preconizava a perfeição e estética corporal, a deficiência era tida como “monstruosidade” fato que legitimava a condenação à morte dos bebês mal formados:

Sêneca, em Amaral 4, justifica o infanticídio: ... nós sufocamos os pequenos monstros; nós afogamos até mesmo as crianças quando nascem defeituosas e anormais: não é a cólera e sim a razão que nos convida a separar os elementos sãos dos indivíduos nocivos (p.46). Algumas crianças não eram mortas e sim abandonadas à margem do Tibre e levadas pelos escravos e pobres para futuramente esmolar: ocupação rendosa. Com o surgimento do Cristianismo, a visão de homem modificou-se, para um ser individual e criado por Deus. Os deficientes passaram a ser criaturas de Deus, com destino imortal e merecedores de cuidados, ... a alma não é manchada por deformidades no corpo (...) uma grande alma pode ser encontrada num corpo pequeno e disforme 3 (p. 150).

Em decorrência do pensamento cristão, pessoas com más formações congênitas ou defeitos passaram a ser protegidas pela lei de Constantino em 315 depois de Cristo. Entretanto a exclusão dos deficientes continuou no discorrer da história. No Império Bizantino, a Igreja Católica em conjunto com o Estado, levava-os para mosteiros. A própria Igreja incumbia-se de realizar mutilações como punições por crimes cometidos. Na Idade Média, a deficiência era vista como atuação de maus espíritos e do demônio, sob o comando das bruxas, e também resultado da ira celeste e castigo de Deus, havia a segregação e os deficientes eram ridicularizados. A partir do Humanismo, no século XV, modificou-se a concepção de valorização do homem, iniciando-se a diferenciação no tratamento de portadores de deficiência e da população pobre em geral. Nos séculos XVI e XVII, os serviços de saúde passaram a ser também de responsabilidade da comunidade.

Amaral 4 refere: Paracelso e Cardano (ambos do século XVI) são os primeiros a trazer a questão da deficiência para o âmbito da Ciência, mais especificamente da Medicina (pois eram médicos e alquimistas), demarcando uma fronteira entre a visão teológica ou moral e cientifica. Esses estudiosos, embora mantivessem uma estreita ligação com as teorias que enfatizavam as forças cósmicas, afirmavam a legitimidade de tratamento para as pessoas com deficiência (p. 49). Em meados do século XVII, foram criados os hospitais gerais, os quais eram; uma combinação de asilo, para a exclusão, e de hospital para a cura e estudos. Segundo Foucault 5 a medicina até o século XVIII, tinha caráter individual, em que os cuidados de médico-paciente davam-se em classes de maior posse, os pobres continuavam à mercê de charlatães. Nesse século, começa a se estruturar a medicina social. No século XIX, devido à influência da filosofia humanista e o advento da Revolução Industrial, a concepção social de deficiência continuou a sofrer modificações.

Segundo Amaral 4: Nesse período há a coexistência de múltiplas representações do fenômeno e, conseqüentemente, de múltiplas abordagens e atuações: algumas de caráter mais educacional, outras de cunho médico. Mas de uma forma geral, pode-se assinalar esse período como o da superação da visão de deficiência como doença e o início de seu entendimento como estado ou condição (p.50). No século XX, há um grande incremento da assistência às pessoas portadoras de deficiência no mundo todo, pois além da filosofia humanista, as nações deparavam-se com mutilados pós as duas grandes guerras e acidentados nas industrias. Surgem programas de reabilitação global, incluindo a inserção profissional de pessoas deficientes. Nos dias de hoje, pleno século XXI, qual a realidade que se impõe? No Brasil, temos uma verdadeira fábrica de crianças com Paralisia Cerebral quer seja pelas más condições de saúde e pré-natal das parturientes, quer seja por negligência médica. Em função da violência, deparamo-nos com um número cada vez maior de jovens atingidos por armas de fogo, acidentes automobilísticos e outras conseqüências do uso indiscriminado de drogas. Adultos idosos ou não acometidos de doenças neurológicas, muitas degenerativas. Os centros de reabilitação são insuficientes e em muitos lugares do país até mesmo inexistentes, fora isso, qual a ideologia que impera? Ao acompanharmos o movimento histórico da concepção e atuação com o deficiente é fácil pensar: Como as coisas melhoraram! De fato é inegável a evolução, mas não podemos nos deixar cegar pelas mudanças e não fazermos uma reflexão crítica sobre o preconceito vigente. O preconceito está em nós! Todos somos algozes e vítimas dele, aprisionados na violência das idéias pré-concebidas e conceitos impostos sem reflexão.

Segundo Crochík 2, o conceito de preconceito é um fenômeno psicológico que se dá no processo de socialização. Ele nos diz em 1995: ...o preconceito diz mais respeito às necessidades do preconceituoso do que às características de seus objetos, pois, um destes é imaginariamente dotado de aspectos distintos daquilo que eles são (p.16). A pessoa portadora de deficiência pode suscitar no preconceituoso, afetos diversos relacionados aos mais diferentes conteúdos psíquicos. Da mesma forma, que ela própria trás consigo preconceitos oriundos da cultura. Na nossa sociedade, em que o indivíduo “vale” pela sua produção e riqueza, no momento em que fica impossibilitado de exercer papéis profissionais que lhe conferem o status quo, recai sobre ele a imagem de inutilidade e de menos-valia.

Neste sentido denunciam Adorno / Horkheimer 1: Todo o mundo é o que é sua fortuna, sua renda, sua posição, suas chances. Na consciência dos homens, a máscara econômica e o que está debaixo dela coincidem nas mínimas ruguinhas. Cada um vale o que ganha, cada um ganha o que vale. Ele aprende o que ele é através das vicissitudes de sua vida econômica (p.197). Não raro, há a dor daqueles que se apercebiam como bem sucedidos, vida social agitada e “bem queridos por amigos” e após a instalação da deficiência, encontram-se isolados e excluídos. De fato, é a morte daquela forma de viver, a lembrança do que era passa a ser um fantasma e o luto instala-se.

Novamente recorro a Adorno / Horkheimer 1: ... O que um indivíduo foi e experimentou no passado é anulado em face daquilo que ele agora é, daquilo que ele agora tem e eventualmente daquilo para o que pode agora ser utilizado (...) O que se passa com todos os sentimentos, ou seja, a proscrição de tudo aquilo que não tenha valor mercantil, também se passa da maneira mais brutal com aquilo de que não se pode sequer obter a reconstituição psicológica da força de trabalho: o luto (p.201). A civilização prega o apego às coisas materiais em detrimento as espirituais. Para adquirir tudo o que é imposto trabalha-se mais do que as próprias forças, a vitória da sociedade é a derrota do indivíduo, o qual se sacrifica para sobreviver, na ilusão de que tal sacrifício pode levar ao bem viver. Instala-se a moral do trabalho, seguindo-se a racionalidade do sistema para aprender as suas regras. Desta feita, todos passamos a ser meros executores de papéis, sendo que nos perfis profissionais já estão embutidos as características pessoais para sermos aceitos.


Segundo Crochík 2: No momento em que se valoriza a produção que envolve a ação eficiente, quer sobre coisas, quer sobre os homens, e que se elege o indivíduo competente como modelo a ser seguido, a produção quer material, quer espiritual toma o lugar da reflexão, pedindo ações cuja racionalidade está circunscrita à esfera do trabalho e já foi, em grande parte, deliberada anteriormente, deixando pouco a ser pensado (p. 26). A engrenagem é massacrante, instaura-se o impulso desmedido para o lucro e o fetiche da mercadoria, que não são naturais do homem, mas sim talhados pela sociedade que se mantém de forma violenta, pois a ameaça de não poder suprir a autoconservação é declarada de várias formas. O desespero causado pela possibilidade de não ter trabalho é mascarado pelo consumo irracional, prazeres sem sentido, obediência, acreditar em mentiras manifestas que não enganam a ninguém e a ideologia do sacrifício. O engodo que está por trás do discurso de que o sacrifício é necessário, vem a serviço de manter a ordem e o poder. A pessoa sacrificada e subjugada imputa a si mesma a culpa do infortúnio sofrido. Ilustro, aqui com o caso de um jovem militar que se acidentou em serviço e sua grande dor é a possibilidade da aposentadoria ou ter que mudar de cargo em função das limitações físicas e de memória, chocou-me quando falou “Mas eles têm que entender que eu não tive culpa”. Uma enxurrada de pensamentos invadiu-me, o profissional que sofre um acidente em função do próprio trabalho é tido como “fracassado, pois vacilou” é inculcada a ideia do dever de ser infalível.

Desta feita, av com Adorno / Horkheimer1: Os dirigentes não estão mais sequer muito interessados em encobri-lo (o poder do monopólio), seu poder se fortalece quanto mais brutalmente ele se confessa de público (p. 114). A pessoa se torna um instrumento facilmente substituível, ela despreza os próprios interesses e sente-se obrigada a desempenhar comportamentos irracionais para se adaptar a sociedade desumana e injusta, não se vislumbra a possibilidade de discutir o assunto. A sociedade esmaga o indivíduo que não lhe apraz e impinge a corrupção do ego pela fragilidade. O portador de deficiência física passa a ser uma ameaça, mesmo que imaginária, para os outros, pois nele está contida a frágil natureza da humanidade, a possibilidade das limitações, o sofrimento que se quer negar e ocultar a qualquer preço. A ele é negada a possibilidade de trabalho, seu corpo não condiz à estética pré-estabelecida, ainda hoje, é considerado por muitos como sucata humana. O terror de não ter valor de produção e não poder suprir a autoconservação leva os preconceituosos ao asco. São tantas obrigações, tantos sacrifícios e regras a serem cumpridas, que a mesma dureza que a pessoa deve ter consigo mesma, leva-a ser dura com o outro. Desencadeia o ódio ao mais fraco e a necessidade de julgar-se melhor, para assim, não entrar em contato com as próprias dificuldades e achar-se potente na sua impotência.

Crochík2 cita que Sartre, Adorno e Horkheimer apontavam simultaneamente o Preconceito como uma Paixão, a meu ver a cegueira da paixão serve para a pessoa não abalar suas crenças e aperceber-se do próprio cárcere, negar seu desespero e o medo da fragilidade.

Crochík2: A sensação de superioridade do preconceituoso em relação à sua vítima é solicitada por uma cultura que não permite um lugar fixo a ninguém, pois é a própria insegurança de todos os indivíduos, é a eterna luta de todos contra todos, que sustenta, assim, o poder sobre o mais fraco é a busca de um espaço em uma sociedade que gira em torno do poder, busca fadada ao fracasso (p. 61). A deficiência da pessoa jamais passa em brancas nuvens, gera incômodos dos quais o preconceituoso tenta se defender, pode ser pelo ataque propriamente dito, o abandono, a rejeição, ou pelo seu contra-ponto a superproteção que o desvitaliza, como ainda a negação da deficiência por atenuações, por exemplo da fala hipócrita de que somos todos deficientes. Fico arrepiada quando escuto um profissional da área de saúde ou de educação dizer:“ É tão gratificante trabalhar com eles ... que eu não trabalho por dinheiro e sim por amor“ discurso obviamente preconceituoso, que ainda vem travestido de uma bondade falsa de seu interlocutor.

Amaral4 esclarece-nos com propriedade: Insisto: des-adjetivar a deficiência é um caminho. Ou seja, ser diferente não é melhor ou pior, a diferença não é boa ou ruim, maléfica ou benéfica, para usar a terminologia de Laplantin, 1991, aviltante ou enaltecedora. A diferença /deficiência simplesmente é (p.148). Mas quando não era e passa a ser? A pessoa que se pensava poderosa e depara-se com a instalação da deficiência em sua vida adulta, passa a ser objeto de discriminação não só dos outros mas de si mesma. Sofre pelos preconceitos que imputava ao ver um deficiente. Durante a realização deste trabalho, lembrei-me de um senhor que atendi há alguns anos, que sofria muito com sua nova situação de portador de deficiência física e sentia muita vergonha, referia não poder se apresentar daquela “forma” para os antigos colegas, pois ele próprio anteriormente participava de rodadas regadas a bebidas e piadas sobre deficientes, comentava, inclusive das fantasias sexuais perversas com as “menininhas aleijadinhas”. Armadilhas do destino? Creio que não. A crueldade venha de quem for não deve ser perdoada. A pessoa que carrega consigo tamanha frieza em relação ao outro, sucumbiu à miséria da própria vida, constituiu-se em relação a um mundo social já construído que tem predominância sobre ele, ou referindo novamente, a super valorização da estética, o fetiche da mercadoria e a força do poder. Fechou as portas para a capacidade de amar, de solidariedade e de reflexão, e o sentimento de potência é substituído pelo de vergonha.

Satow6 , explica-nos muito bem o que é vergonha: A vergonha é o medo do olhar do outro e é o afeto social por excelência, pois deriva das relações com as normas da sociedade, do sentimento de ter-se afastado dessas normas. O estímulo da vergonha é o olhar do outro, da comunidade, do público. O sentimento de vergonha é provocado pelo afastar-se das normas sociais: o olhar do outro condena quem se afastou ou pensa ter se afastado das normas; por isso, a vergonha é a reguladora da moralidade, é sempre um instrumento do processo da socialização... (p. 126).

Não raro, a pessoa que adquire uma deficiência física ao longo da vida sente-se culpada por este fato, como também, não raro lhe é outorgada essa culpa. Fantasias de que está pagando por pecados, que é merecimento por má conduta e maus sentimentos, ainda vigoram nos dias de hoje; e são sutilmente veiculados pelos meios de comunicação. O senhor que comentei não é apenas o algoz da situação, é também vítima da própria construção de sua vida e do mundo social em que está inserido. Ele sabia muito bem o que representava para seus colegas e para si: a traição e ao mesmo tempo o fracasso.

Faço aqui uma analogia ao que Adorno / Horkheimer1, teorizam sobre o criminoso: ... O indivíduo fraco, atrasado, animalizado tem que sofrer, qualificado, uma forma de vida à qual se resigna sem amor; encarniçada, a violência introvertida repete-se nele. O criminoso que, ao cometer seu crime, pôs sua autoconservação acima de tudo, tem na verdade um eu mais fraco e mais instável, e o criminoso contumaz é um débil (p. 211).

Paira no ar a insinuação de que se a pessoa deficiente tivesse morrido seria melhor, seu crime é a própria vida! Embora atualmente o discurso é da valorização do homem a todo preço, mesmo assim, os deficientes são desprezados e sucumbem a várias formas de morte. A morte física propriamente dita, o suicídio silencioso, o sofrimento psíquico, o confinamento social, a falta de acesso aos cuidados à saúde, educação e trabalho. Não é mera semelhança com outras fases da história, principalmente no tocante aos pobres. A contradição social vigente precisa ser superada, para que a vida siga seu caminho com sentido, com condições de enfrentamento e findar a exclusão. Para tal, é necessária atenção à dança dos preconceitos de todos e de ninguém, dança envolta na música do social e na melodia da mentira manifesta. Retomo ao meu incômodo inicial e talvez do leitor, em que a tentação de ficar escondida atrás do social é grande. Preciso, eu própria, olhar para meus preconceitos, desencantar-me comigo, reconhecer minha prisão e desconhecimento para buscar a reflexão. Na rotina frenética, é fácil submergir a ideologia sem atentar para o que está acontecendo. Cultuar o frívolo, passar por cima das emoções, ignorar o sofrimento e continuar sorrindo!

A barbárie não está só naquele que puxa o gatilho, ou assina as leis, ou vende as drogas. Ela está na frieza das ações e não ações, no julgamento do outro, na falta de afeto e de solidariedade. Ressalto, que muitas vezes somos nossos carrascos. Qualquer pessoa pode sofrer um infortúnio e ter como seqüela uma deficiência física. Impossível negar o sofrimento real que as limitações impingem, mas se vitimar e destituir a vida de sentido não precisa ser a penalidade. Como também a existência de muitos não portadores de deficiência é desprovida de condições reais e subjetivas de qualidade. Obviamente, não se podem mudar as questões objetivas imediatamente, mas não é preciso compactuar com aquilo que sabidamente é injusto e discriminatório. Olhar para si próprio, reconhecer os limites e inadequações, buscar a reflexão crítica e o esclarecimento, podem fortalecer o indivíduo e este, assim contribuir para uma sociedade melhor.

Bacon citado por Adorno / Horkeimer1 vislumbra a solução: ... a superioridade do homem está no saber, disso não há dúvida. Nele muitas coisas estão guardadas que os reis, com todos os seus tesouros, não podem comprar, sobre ao quais sua vontade não impera, das quais seus espias e informantes nenhuma notícia trazem, e que provêm de países que seus navegantes e descobridores não podem alcançar... (p. 19). Enfim, a barbárie do preconceito contra todos e de todos pode findar, quando for extirpada a crueldade contra os homens e descortinada a escuridão que encobre o esclarecimento, para que a VIDA de fato tenha valor.

REFERÊNCIAS

1- Adorno TW, Horkheimer M. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor; 1985.

2- Crochík JL. Preconceito, indivíduo e cultura .São Paulo: Robe Editorial; 1995.

3- Silva OM. A epopéia ignorada: a pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. São Paulo: Cedas Editora; 1987.

4- Amaral LA. Conhecendo a deficiência (em companhia de Hércules).
São Paulo: Robe Editorial; 1995.

5- Foucault M. Microfísica do poder . Rio de Janeiro: Editora Graal; 1985.

6- Satow LA. Paralisado cerebral: construção da identidade na exclusão. São Paulo: Robe Editorial; 1995.












Um comentário:

  1. Infelizmente ainda existe uma não aceitação, discriminação e preconceito de nossa sociedade em relação as pessoas com deficiência; tudo isso devido a certos padrões do que é "normal" estabelecido pela sociedade, não se enquadrando dentro deste as pessoas deficientes; apesar de haver milhões de deficientes em todo planeta há ainda aqueles que não aceitam as diferenças; por isso o deficiente está em constante luta para conquistar o seu espaço, porque ele também tem direito a um lugar na sociedade, apesar da relutância de muitos lutam para serem aceitos e respeitados como qualquer outro membro na sociedade a qual pertençam. Vamos respeitar as diferenças a sociedade querendo ou não tem que conviver com as diferenças.

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